Pesquisa científica: Investigador cabo-verdiano defende investimento na biotecnologia para descobrir medicamentos naturais e mais baratos

Cabo Verde precisa de investir na biotecnologia ou seja explorar a sua flora no sentido de encontrar medicamentos fitoterápicos (obtidos empregando-se exclusivamente matérias-primas ativas vegetais) que sejam alternativas aos medicamentos químicos que custam bem mais e são todos de matéria-prima importado, encarecendo a assistência farmacêutica e o tratamento das doenças, principalmente as bucais em que só o acesso ao Dentista é caro. A constatação é do Cirurgião-Dentista cabo-verdiano Mário Luís Tavares Mendes, que reside no Brasil, onde está Doutorando em Ciências da Saúde- Núcleo de Medicina da Universidade Federal de Sergipe. Membro do Grupo de Pesquisa do Laboratório de Patologia Investigativa da mesma Universidade, Mário, que é também mestre em Odontologia pelo Programa de Pós-Graduação em Odontologia, fala-nos, na entrevista que se segue, do custo da dependência tecnológica de Cabo Verde e do seu projecto de pesquisa em que obteve resultados positivos em termos da busca de medicamentos naturais para o tratamento de uma das mais prevalecentes patologias da cavidade oral (a estomatite protética ). Uma doença mais frequentes em usuários de próteses dentárias e que é causada essencialmente por fungos, cujo tratamento com antifúngicos não se tem mostrado ultimamente tão eficaz.
A Semana - Para começar, como é que a Orgnização Mundial de Saúde vê o uso da fitoterapia no sistema nacional de saúde de cada pais?
A
fitoterapia segundo OMS é um dos caminhos para o desenvolvimento
sustentável e consequentemente se mostra uma das vias viáveis para
países pequenos como Cavo Verde. A fitoterapia foi o motivo de pesquisa
do meu mestrado que já foi concluído com sucesso e continua sendo o
motivo da minha pesquisa de Doutoramento.
- Com vê impacto da nossa dependência tecnológica nos custos dos produtos, com destaque para os medicamentos?
A
dependência tecnológica dos países como Cabo Verde, que recebem ajudas
externas, é muito alta. Essa dependência se traduz no aumento do preço
final dos produtos e serviços ofertados à população e cria um círculo
vicioso de pobreza e atraso social. Essa situação é observada
principalmente no campo da saúde. A exemplo disso podemos citar o alto
preço de produtos farmacêuticos e hospitalares, que encarecessem a
prestação de cuidados de saúde no nosso país. Essa dependência que falo é
consequência direta da falta de investimento em pesquisa e
desenvolvimento tecnológico tendo como pano de fundo a criação de
produtos com alto valor acrescentado, proporcionando o almejado
desenvolvimento social, bem como responder perguntas pontuais das
práticas locais dos profissionais inseridos nos mais diversos setores.
Pesquisa e investimento na formação
Quais os principais desafios da saúde em Cabo Verde? - O principal desafio da Saúde no nosso país passa pela questão do financiamento, fruto da limitação dos recursos que um país pobre enfrenta. No entanto, podemos elencar outros desafios entre as quais a capacidade de executar mudanças para a desmedicalização da saúde, a gestão e capacitação dos recursos humanos, a falta de pesquisa em saúde e a falta de conhecimento dos profissionais da saúde para a integração da medicina popular.
No seu ponto de vista, como Cabo Verde pode ultrapassar esses desafios?
Ultrapassar
esses desafios perpassa pela gestão eficiente dos recursos da saúde.
Formação de recursos humanos críticos no sentido de buscar as respostas
pertinentes para os desafios da prática clínica. A valorização dos
recursos humanos em Saúde. O fomento e incentivo à pesquisa em Saúde,
fator primordial para geração de conhecimento e evidências. Esse
conhecimento e evidência constituem o pilar para tomada de decisões em
saúde, caminho pelo qual se pode atingir a eficiência na utilização dos
recursos.
Falemos da sua experiência como estudante e pesquisador no Brasil. Ou seja, como se sentiu a necessidade de se capacitar e hoje está a fazer o doutoramento nessa area do saber?
Tendo
em mente que a capacitação do recurso humano em saúde ela se dá de
forma permanente, o meu objetivo foi exatamente isso: estar sempre
atualizado para fazer face aos desafios do mercado de trabalho e prática
clínica inerente à minha profissão. Primeiro, ingressei em um curso de
especialização em Gestão de Saúde pública e da família para ampliar a
minha visão no campo da saúde pública, coisa que trabalhei durante
muitos anos em Cabo Verde. Posteriormente recebi um convite para fazer
parte do grupo de pesquisa do Laboratório de Patologia
investigativa(LPI). No mesmo período escrevi o meu projeto de pesquisa
que acabei ingressando no Mestrado e no mesmo ano de conclusão do
Mestrado consegui ingressar no Doutorado.
Resultados de pesquisa e ganhos para a população
Mas qual foi o objetivo do seu projeto de pesquisa e os resultados concrectos conseguidos?
O
meu projeto de pesquisa foi escrito com o objetivo de procurar o
tratamento de uma das mais prevalentes patologias da cavidade oral (a
estomatite protética). A partir de um problema clínico desenhamos a
nossa metodologia para responder a nossa pergunta de pesquisa. Essa
patologia acomete usuários de próteses dentárias e é causado
essencialmente por fungos, o tratamento rotineiro é feito com
antifúngicos, que ultimamente não tem se mostrado tão eficaz fora os
efeitos colaterais que eles causam. Então decidimos lançar mão de
produtos naturais que segundo relatos da literatura são promissores como
agentes antifúngicos e no final do estudo mostraram como promissores
antifúngicos para o tratamento da doença citada.
Nota-se agora alguma precupação para o uso de substâncias naturais. O que está na origem de tudo isto?
As
substâncias fitoterápicas estão sendo bastante pesquisadas em
alternativa aos compostos químicos, principalmente pelo seu baixo custo.
O consumo de remédios à base de ervas e plantas medicinais é prática
comum para cerca de 80% da população mundial, segundo estimativa da
Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesse sentido, a ciência e os
profissionais da saúde têm que buscar esse sinergismo com a sabedoria
popular e medicina tradicional para o bem estar da população.
Siginfica que, com isso, pode servir de exemplo, para os serviços de saúde, as Universidades em Cabo Verde?
Deve
servir de exemplo no sentido de mostrar a necessidade do nosso país
criar um incentivo claro à investigação, principalmente nas áreas que
fazem uma integração do conhecimento científico com o popular. Essa
integração é de extrema importância na redução dos custos em saúde. Cabo
Verde tem uma gama de plantas que na sabedoria popular tem efeitos
terapêuticos para um leque variado de condições patológicas, todavia não
existem pesquisas nesse sentido, o que caba em desperdício na nossa
biodiversidade.
Isto se traduziria em alguns ganhos para a população?
Sim.
Primeiro, poderíamos produzir medicamentos a baixos custos a partir de
fitoterápicos, o que melhoraria a atenção em saúde. Segundo, geraria
inovação e consequentemente minimizaria a dependência de Cabo Verde em
termos de fármacos. Propiciaria ainda a redução dos gastos em saúde e o
uso racional dos recursos.