Trump tenta bloquear venda de livro sobre a sua administração “caótica”

Lançamento da obra “Fire and Fury” estava previsto para a próxima terça-feira, mas a editora decidiu pô-lo à venda esta sexta, face às ameaças dos advogados do Presidente, que querem tirar o livro de circulação

A equipa de advogados do Presidente norte-americano enviou, na quinta-feira, uma carta ao escritor e jornalista Michael Wolff e à sua editora exigindo-lhes que não ponham em circulação "Fire and Fury: Inside the Trump White House", um livro que já está a causar grande estrondo em Washington e que contém inúmeros pormenores de fontes sobre a "paranóia" de Donald Trump e o "caos" da sua administração.

Com lançamento previsto para a próxima terça-feira, as ameaças dos advogados de Trump levaram a editora Henry Holt & Co. a antecipar a venda para esta sexta-feira. "Aí têm", anunciou no Twitter o autor. "Podem comprá-lo (e lê-lo) amanhã. Obrigado, sr. Presidente." O livro tem por base mais de 200 entrevistas com pessoas ligadas à adiministração Trump, com alguns excertos publicados nos últimos dias a angariarem críticas e a levantarem questões sobre a veracidade dos factos. Ainda assim, aponta o correspondente da BBC nos EUA, "e mesmo que só metade dos conteúdos sejam verdade, [a obra] traça um retrato condenatório de um Presidente paranóico e de uma Casa Branca caótica".

Apesar de ainda não ter chegado aos escaparates, o livro veio lançar a confusão na Casa Branca de Trump, que começou por ameaçar Steve Bannon, seu ex-conselheiro e uma das fontes citadas por Wolff. Horas depois, também na quinta-feira, a equipa legal do Presidente intimou Wolff e a sua editora para que não pusessem o livro em circulação, com o Presidente a recorrer de seguida ao Twitter para garantir que a obra está "cheia de mentiras" porque ele, Trump, nunca autorizou o jornalista a aceder à Casa Branca.

"Autorizei zero acesso do autor deste livro falso à Casa Branca (na verdade rejeitou-o várias vezes)! Nunca falei com ele para o livro. Cheio de mentiras, representações erradas e fontes que não existem. Olhem para o passado deste tipo e vejam o que vai acontecer com ele e com o Sloppy Steve [Bannon]!"

A ira de Trump dirigida contra Wolff na rede social surgiu depois de o Presidente ter emitido um comunicado, raro na sua forma, a condenar o seu ex-confidente Bannon, um homem ligado à extrema-direita norte-americana que se juntou à campanha republicana em agosto de 2016 e que integrou o atual governo dos EUA até agosto seguinte. "Steve Bannon não tem nada a ver comigo ou com a minha presidência", garantiu Trump. "Quando foi despedido, perdeu não só o emprego como a cabeça."

Logo a seguir, a porta-voz da Casa Branca disse aos jornalistas que o Presidente está "furioso e enojado" com os ataques de Bannon à família Trump, entre eles acusar o filho mais velho do Presidente, Donald Trump Jr., de ter participado num encontro "não-patriótico" que representa um crime de "traição" à pátria, e dizer que Ivanka Trump é "burra que nem uma porta" e que o seu desejo é tornar-se "na primeira mulher Presidente" da América.

Com a administração a tentar gerir o impacto de "Fire and Fury" ainda antes da sua publicação, um advogado do Presidente enviou uma carta a Wolff e à sua editora a exigir-lhes que "suspendam imediatamente a publicação, divulgação ou disseminação" do livro ou de excertos deste. Na notificação legal, Charles Harder também exige que lhe seja enviada um exemplar da obra. A carta é em tudo semelhante à que foi enviada a Bannon na quarta-feira, na qual Harder acusa o ex-chefe de estratégias da Casa Branca de "difamar" o Presidente e de ter violado um acordo de confidencialidade assinado entre ambos.

Tudo isto aconteceu depois de, na quarta-feira, a "New York Magazine"ter pulicado um longo excerto do livro, ao qual se seguiram vários detalhes do seu conteúdo divulgados por jornais como o "New York Times", o "Wall Street Journal" e o "Guardian" após terem obtido exemplares da obra sem embargo. Com o lançamento de "Fire and Fury" antecipado para esta sexta-feira "por causa de uma procura sem precedentes", foram despachados cerca de 250 mil exemplares para os que já o encomendaram na internet.

Ao "Guardian", a porta-voz da editora norte-americana confirmou que a publicação do livro em todos os seus formatos foi mudada para esta semana após as ameaças de Trump. "A Henry Holt confirma que recebeu uma intimação formal de um advogado do Presidente Trump. Vemos o 'Fire and Fury' como um contributo extraordinário para o nosso diálogo nacional e vamos avançar com a publicação do livro."

Esta tarde é esperado que o autor dê a sua primeira entrevista sobre o livro ao canal NBC, depois de especialistas terem garantido que Trump não tem hipótese de impedir que a obra seja posta em circulação. "Até os advogados de Donald Trump não são doidos o suficiente para levarem isto a tribunal", garantia ontem Ben Wizner, diretor do projeto de liberdade de expressão, privacidade e tecnologia da União Americana para as Liberdades Civis (ACLU). "Seria extraordinário e inédito que um tribunal respondesse a isto com um bloqueio da publicação. Isso não vai acontecer."

Ontem, Wolff assinou um artigo de opinião no "Hollywood Reporter" a explicar como foi descobrindo mais e mais podres sobre esta administração sentado num sofá da ala oeste da Casa Branca ao longo do primeiro ano do governo, sublinhando que as pessoas que trabalham para Trump não acreditam nas suas capacidades para desempenhar o papel de Presidente de forma conveniente, em particular por causa dos seus aparentes problemas cognitivos e de memória.

"Toda a gente está penosamente ciente das suas repetições, cada vez mais comuns", escreveu Wolff. "Costumava levar 30 minutos a repetir as mesmas três histórias, palavra por palavra e expressão por expressão, mas agora isso acontece a cada dez minutos. De facto, muitos dos seus tweets são um produto das suas repetições — ele simplesmente não consegue parar de dizer seja o que for. [...] A minha impressão indelével ao falar com [fontes da Casa Branca] e ao observá-las ao longo de grande parte do primeiro ano da presidência é que todos [os funcionários do governo], 100% deles, não acreditam que [Trump] seja capaz de desempenhar este cargo."



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