José Maria Neves analisa o Corornavírus e a Geopolítica Global
O CORONAVIRUS E A GEOPOLÍTICA GLOBAL
Dia
da Terra. Este ano sob o signo do novo coronavírus e da pandemia que provocou.
A
Terra fechou-se para balanço. Brutalmente. E os efeitos sanitários, económicos
e sociais são devastadores. De um dia para o outro, milhares de empresas fecham
as portas, milhões de pessoas perdem empregos e rendimentos, e milhares morrem
todos os dias e muitos são enterrados em valas comuns, em pleno Século XXI,
quem diria?, as imagens dos enterros em valas coletivas em New York deixaram-me
em silêncio, num mar de angústias. Paris, Berlim, Roma, Viena, Moscovo,
Beijing, Praga, Budapest... apagam as luzes, fecham os monumentos, cancelam
tudo. E o silêncio e o medo e a depressão tomam conta das ruas. Só as flores de
Março e o chilreio dos pássaros fazem o contraponto.
A
natureza sorri de tristeza. Não é uma ação consciente do homem que a leva a
sorrir e a cantar. Trata-se de uma travagem brusca, forçada... ontem o petróleo
foi cotado nos Estados Unidos em menos 40 dólares/barril.
A
Terra está às avessas, foi um tsunami que passou!
Muitas
perguntas emergem desta tripla e devastadora crise que, com certeza, vai ainda
prolongar-se no tempo.
•
Qual será a atitude das pessoas, das famílias, das empresas, enfim, da
sociedade na pós pandemia? Regressarão o consumismo desenfreado e a pressão
insustentável sobre a natureza ou, pelo contrário, haverá mudanças de
comportamento nas relações sociais e com a natureza e o resgate de valores como
a verdade, a compaixão, a responsabilidade, a liberdade, a igualdade e a
fraternidade?
•
Haverá mais prudência, menos egoísmo e menos indiferença?
•
Os governos e os decisores políticos manter-se-ão imunes às conclusões dos
cientistas e investigadores sobre as mudanças climáticas ou tomarão medidas
corajosas e ousadas para salvar a Terra?
•
Os Estados estarão com mais capacidades para regular os mercados e colocá-los
ao serviço do bem comum ou promoverão o renascimento do neoliberalismo, a
desregulação económica e a concentração da riqueza, com o consequente aumento
das desigualdades e da exclusão social?
•
Haverá mais investimentos na saúde, na educação e na segurança social ou, pelo
contrário, só os mais possidentes terão acesso aos cuidados?
•
Os extraordinários avanços das tecnologias de informação e comunicação e da
biotecnologia serão colocados ao serviço da humanidade ou instrumentos de
cerceamento das liberdades, do desemprego, das desigualdades e outras formas de
exclusão?
•
Como ficará a globalização, haverá reforço da interdependência entre os países
ou o retorno ao nacionalismo?
•
A democracia liberal continuará em retração e o autoritarismo a avançar?
A
única certeza de que dispomos é que esta pandemia provocará mudanças nas placas
tectônicas da geopolítica mundial.
As
mudanças climáticas já estavam a provocar movimentos sísmicos a nível político
mundial.
O
ártico é uma das regiões mais cobiçadas do planeta, possui cerca de 15% das
reservas de petróleo, 22% do gás natural e 25% das terras raras. O aquecimento
da região, duas vezes mais rápido do que no resto do planeta - o nível atual do
degelo na Gronelândia só deveria ser atingido em 2070 -, para além dos
efeitos climáticos, que são desastrosos, envolve interesses geo-estratégicos e
políticos da União Europeia, Estados Unidos, Rússia e China. É que para além
das incomensuráveis riquezas, o degelo do ártico permite a abertura de novas
rotas marítimas alternativas aos canais de Suez e do Panamá e uma redução em
cerca de 40% do tempo de navegação entre a Ásia e a Europa.
A
queda do Muro de Berlim levou ao desmoronamento do comunismo, ao triunfo do
neoliberalismo e à emergência de um mundo unipolar. O Atlântico e os Pequenos
Estados Insulares perdem a sua importância estratégica na arena internacional.
O
11 de Setembro (2001) veio trazer novos desafios, designadamente novas ameaças
para a segurança global. O Atlântico e os Pequenos Estados Insulares
revalorizam-se no contexto internacional, a globalização avança inexoravelmente
e o mundo torna-se cada vez mais interdependente.
Entretanto,
a deslocalização de empresas, o aumento do desemprego e das desigualdades
sociais intra-estatais e entre estados, as migrações, o terrorismo e outros
fenómenos relacionados com o baixo desempenho dos governos face às
reivindicações sociais, a intransparência e a corrupção na gestão da coisa
pública conduziram à emergência de movimentos populistas e iliberais em vários
países do mundo. Pela primeira vez, há mais países autoritários que
democráticos (92 contra 87), segundo o Relatório de 2020 do Instituto de Variações
da Democracia, da Universidade de Gotemburgo.
Pós coronavírus e interrogações
Pós
coronavírus irá reforçar as tendências geopolíticas, com o reforço dos estados
nações em detrimento das instituições multilaterais e de governança
internacional?
Manter-se-á
a guerra fria entre a China e os Estados Unidos pelo controlo da economia mundial?
Num
recente ensaio de Helena Carreras (Diretora do Instituto da Defesa Nacional de
Portugal) e de André Malamud (Investigador Principal do Instituto de Ciências
Sociais (ICS), da Universidade de Lisboa), publicado no Público de 14 de Abril
de 2020, tanto nos sistemas liberais como nos iliberais ter-se-á, pós
coronavírus, mais estado, menos nacionalismo e mais cooperação internacional
nos domínios cientifico e financeiro.
“As
esferas de influência dos Estados Unidos e da China não se distinguirão por alinhamentos
ideológicos, mas regulatórios, com padrões técnicos e desenvolvimento
tecnológicos incompatíveis. Podemos estar a caminho de um mundo dividido não
entre o liberalismo e o autoritarismo, mas algo tipo “Mac y PC”. Os Estados
Unidos continuarão a dominar a divisa internacional e a China definirá preços e
investimentos”, enfatizam.
Do
meu ponto de vista, a disputa, no plano global, será com certeza mais económica
do que ideológica. Continuará o processo de desideologização das relações
internacionais, iniciada com a queda do Muro de Berlim, em favor de um cada vez
maior pragmatismo económico, dominado por interesses geo-estratégicos.
Os
Estados nacionais ganharão mais capacidades, mas os desafios que se colocam à
humanidade, designadamente nos domínios das tecnologias de informação e
comunicação e na biotecnologia, são tão graves que o futuro depende da
cooperação e da solidariedade internacionais e não de mais nacionalismo.
As
disputas entre a China e os Estados Unidos continuarão com mais ou menos intensidade,
conforme os resultados das próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos,
a União Europeia procurará reforçar o seu papel como ator relevante na arena
internacional e os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e South África) também
abrirão novos caminhos de reforço da sua posição na geopolítica mundial.
Os
dados apontam para mais frequentes ameaças de novos vírus com potencial
pandémico, pelo que os países terão que necessariamente reforçar a cooperação
internacional no domínio sanitário.
E
a África? E os Pequenos Estados Insulares?
Nos
próximos capítulos procuraremos analisar, ainda que perfunctoriamente, esses
casos.
Que
a Terra renasça de novo, este é o meu sonho para este Século XXI.