Advogados de Cabo Verde consideram ilegal apreender telemóveis a doentes isolados
“Quaisquer confiscos, apreensões ou limitação na utilização de telemóveis, no direito de comunicação com o exterior ou na liberdade de opinião dos doentes em confinamento mostra-se flagrantemente ilegal e inconstitucional”, considera a Ordem dos Advogados de Cabo Verde (OACV).
Num comunicado, assinado pelo bastonário, Hernâni de Oliveira Soares, a Ordem diz que foi “com estupefação e maior preocupação” que tomou conhecimento, através da imprensa, que a Polícia Nacional havia apreendido telemóveis a doentes de covid-19 em isolamento.
As apreensões terão acontecido após vídeos começarem a circular na internet, feito por infetados com covid-19, animados e em grande descontração num dos isolamentos, e outro em que um doente chama a atenção para as condições em outro hospital de campanha onde se encontra na cidade da Praia, gerando comentários diversos na sociedade cabo-verdiana.
Em declarações à Televisão de Cabo Verde (TCV), o diretor nacional da Polícia Nacional, Emanuel Estaline Moreno, condenou o comportamento dos doentes, entre os quais três agentes, num dos vídeos.
O mesmo responsável considerou que isso constitui uma “flagrante violação de deveres” e que serão tomadas medidas contra esses agentes policiais.
Na mesma estação de televisão pública, o psicólogo cabo-verdiano Jacob Vicente considerou que as pessoas estão “muito sensíveis”, pelo que considerou ser necessário elevar o nível de compreensão e de tolerância.
E sublinhou que, no caso da Polícia Nacional, as pessoas no isolamento são pacientes e não agentes policiais. “Se fossem agentes estariam a ter comportamentos diferentes no seu local de trabalho”, afirmou.
Para a Ordem dos Advogados Cabo-verdianos, as pessoas utilizaram os telemóveis para divulgarem as suas opiniões e, noutros casos, para filmarem comportamentos eventualmente não condizentes com a gravidade da situação em que se encontravam.
“Em nenhum momento estas liberdades e os instrumentos para a sua efetivação podem ser confiscados, limitados ou condicionados por qualquer autoridade, salvo quando, da sua utilização resultar o cometimento de algum crime – o que claramente não acontecia nos casos que vieram a público”, sustentou a mesma fonte.
Hernâni de Oliveira Soares lembrou que o decreto presidencial que regula o estado de emergência, em vigor nas ilhas de Santiago e da Boa Vista, diz “de forma clara” que ficam proibidas quaisquer limitações de direitos, liberdades e garantias para além dos que resultam do referido diploma.
“Sendo que, citando, ‘continuam a vigorar nos exatos termos consagrados na Constituição, designadamente as liberdades de expressão, de informação e a liberdade de impressa’”, esclareceu.
Os advogados cabo-verdianos consideram que a luta contra a covid-19 é de todos os cabo-verdianos, mas alertaram que deve ser feita “dentro dos exatos limites do Estado de Direito democrático e no escrupuloso respeito pelas leis do país”.
“Com efeito, sendo atribuição da Ordem dos Advogados, nos termos do Estatuto da Ordem dos Advogados, defender o Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e colaborar na administração da justiça, tem naturalmente a OACV que se pronunciar contra esta grave violação de um direito fundamental, apelando a que esta situação seja rapidamente corrigida”, referiram ainda.
Notícias também publicadas nos órgãos de comunicação social cabo-verdiana dão conta que os telemóveis foram devolvidos aos respetivos donos horas depois, com as apreensões a gerarem também muito debate na sociedade do país.
Cabo Verde regista 191 casos acumulados de covid-19, distribuídos pelas ilhas de Santiago (132), Boa Vista (56) e São Vicente (03), e 38 considerados recuperados.
Em todo o país, duas pessoas acabaram por morrer, na Praia e na Boa Vista, e dois turistas estrangeiros, também infetados, regressaram aos países de origem, totalizando por isso 149 casos ativos em Cabo Verde.
A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 260 mil mortos e infetou cerca de 3,7 milhões de pessoas em 195 países e territórios.
Mais de um 1,1 milhões de doentes foram considerados curados.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China. A Semana com Lusa