Juízes de Cabo Verde pedem atualização salarial e tratamento igual aos magistrados do Ministério Público

As denúncias constam do relatório sobre a situação da justiça do Conselho Superior de Magistratura Judicial (CSMJ), entregue na segunda-feira ao parlamento e que a Lusa teve hoje acesso, referente ao ano judicial 2020/2021 (de 1 de outubro de 2020 a 31 de setembro de 2021).

Segundo o órgão de gestão e disciplina dos juízes, ainda existe um "tratamento desigual de situações materialmente iguais" e "discrepâncias" entre o Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) e o dos Magistrados do Ministério Público (EMMP).

Por isso, solicitou à Assembleia Nacional a sua harmonização, "sob pena de se manter em plena vigência, não por desconhecimento da situação, mas por clara opção, normas que não encontram conforto no princípio de paridade a que subjaz as duas magistraturas".

Entre as situações que o CSMJ considera "ostensivamente desigualitárias", está o facto de os Tribunais Superiores deixarem a ideia de que os direitos e regalias especiais dos magistrados judiciais dependem da colocação dos mesmos nessas instâncias superiores.

"Diversa é, porém, a solução dos EMMP, que configuram os direitos e regalias especiais — correta e indubitavelmente — como direitos de carreira", apontou o relatório de atividades do ano judicial prestes a terminar.

Segundo o CSMJ, a situação é ainda mais grave, uma vez que os procuradores de círculo têm direitos e regalias especiais de carreira, estejam colocados juntos dos Tribunais da Relação ou dos tribunais de 1.ª instância.
"E, no entanto, exceção feita ao juiz-presidente da Relação, iguais direitos não são reconhecidos aos Juízes Desembargadores. A injustiça é pura e simplesmente gritante", criticou aquele órgão, informando que já entregou ao Ministério da Justiça uma proposta de alteração dos Estatutos para corrigir as discrepâncias, e aguarda, há mais de um ano, o decurso do procedimento legislativo.

O Conselho Superior de Magistratura Judicial chamou ainda a atenção para a "necessidade urgente" de fixação do novo índice remuneratório dos juízes, cuja atualização salarial não é feita desde 1997, e cujo salário "tem vindo a sofrer sucessiva erosão".

"Por conta dessa situação, membros da classe começaram a transitar para a situação de reforma com pensão inferior à remuneração que vinham percebendo, o que se configura uma disfuncionalidade inadmissível e chocante", acrescentou.

Por causa disso, deu conta que os magistrados que acumulam alguma experiência e que começam a servir com maior eficácia e eficiência o setor, são aliciados com outros lugares que proporcionam melhores condições salariais e acabam por sair, em comissão de serviço ou de licença, dificultando assim a tangibilidade dos objetivos definidos pelo Conselho.

E deu como exemplo a saída, no decurso do ano passado, de três magistradas experientes, sendo duas para o Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e outra para o Tribunal de Contas.

Aquele órgão cabo-verdiano alertou ainda que a solução de se fazer depender o desenvolvimento do sistema retributivo dos juízes da evolução do regime remuneratório dos titulares de cargos políticos, não só é desadequada como provavelmente até de se evitar.

"Na verdade, embora os juízes sejam titulares dos órgãos de soberania, que são os Tribunais, os mesmos não são titulares de cargos políticos, sendo certo que estes exercem a sua função, aliás muito nobre, a título transitório, ao passo que aqueles exercem a título profissional", salientou o CSMJ, pedindo um "tratamento diferenciado" das duas situações.

Ao invés do sistema de indexação, o Conselho considerou ser mais justo um sistema remuneratório próprio para a magistratura.

O relatório do CSMJ, a par do Conselho Superior do Ministério Público, também entregue na segunda-feira ao parlamento, vão servir de mote para o debate sobre a situação de justiça, que acontece em outubro e que marca o início do novo ano parlamentar em Cabo Verde.

A Semana com Lusa

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