Defesa enumera cinco principais categorias de violação do direito internacional e alerta sobre implicações para EUA e Cabo Verde -
Mapeamento das principais violações do direito internacional direta ou indiretamente imputáveis aos Estados Unidos da América no contexto da detenção e prisão arbitrária de Alex Saab em Cabo Verde
Alex Saab é Enviado Especial da República Bolivariana da Venezuela e também o seu Representante Permanente Adjunto junto da União Africana. Foi preso e detido na República de Cabo Verde ("Cabo Verde") a 12 de junho de 2020, na sequência de um pedido dos Estados Unidos da América e permaneceu em detenção arbitrária até 16 de outubro de 2021, quando foi ilegalmente transferido pelos Estados Unidos para Miami.
Esta operação realizada pelos Estados Unidos contra um diplomata venezuelano é marcada por uma série de violações do direito internacional imputáveis direta ou indiretamente aos Estados Unidos. Embora a prisão e detenção arbitrária de Alex Saab tenha ocorrido em Cabo Verde, não há dúvida de que essa situação era o resultado de uma operação patrocinada pelos Estados Unidos, que violou o direito internacional, quer diretamente, quer por procuração, através das autoridades de Cabo Verde. A mesma técnica é frequentemente utilizada pelos Estados Unidos em programas extraordinários de transferência de prisioneiros ou em prisões secretas no estrangeiro. O programa trata de forçar um Estado estrangeiro, na maioria das vezes um vassalo dos Estados Unidos, a violar o direito internacional e os direitos humanos no seu território em nome de e para os interesses dos Estados Unidos.
No contexto da prisão e detenção de Alex Saab, estão presentes todos os sinais de que esta operação é o resultado de uma operação conjunta interestatal ilegal entre os Estados Unidos e Cabo Verde, destinada a minar o governo da Venezuela, sob o pretexto de um procedimento de cooperação judicial.
As principais violações que devem ser destacadas podem ser classificadas em cinco categorias principais:
1. O programa de sanções ilícitas: deve notar-se que a prisão de Alex Saab foi orquestrada enquanto este se dirigia uma Missão Especial humanitária ao Irão, que foi considerada crucial para os interesses da Venezuela. Neste sentido, tal prisão tem o efeito colateral de aniquilar uma missão de grande importância política e que era suscetível de oferecer soluções para combater o que o Relator Especial da ONU chama "o impacto negativo das medidas coercivas unilaterais sobre o gozo dos direitos humanos". Isto não pode ser razoavelmente visto como uma coincidência e pode ser considerado como abrangendo várias violações do direito internacional, incluindo princípios de igualdade soberana, independência política, não intervenção nos assuntos internos dos Estados, e resolução pacífica de disputas internacionais
(artigo 2(1) da Carta das Nações Unidas (igualdade soberana), artigo 2(4) da Carta das Nações Unidas, artigo 33(1) da Carta das Nações Unidas) e direito internacional dos direitos humanos (incluindo direito à vida, direito ao desenvolvimento, direito à saúde, direito à integridade física,
etc.).
2. O abuso do mecanismo de Alerta Vermelho da Interpol: No contexto da operação orquestrada pelos Estados Unidos para prender Alex Saab, as autoridades dos EUA e a própria Interpol, utilizaram claramente mal os mecanismos da Interpol ao solicitar e concordar, respetivamente, com a publicação de um Alerta Vermelho da Interpol para fins políticos. Ao fazê-lo, os Estados Unidos e a Interpol não cumpriram uma série de normas que regulam as atividades da Interpol, começando pelo Artigo 3 da Constituição da Interpol, segundo o qual "é estritamente proibido à Organização empreender qualquer intervenção ou atividades de carácter político, militar, religioso ou racial", bem como o Artigo 2 que exige que a Interpol e os seus membros
"assegurem e promovam a mais ampla assistência mútua possível entre todas as autoridades policiais criminais, dentro dos limites das leis existentes nos diferentes países e dentro do espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos".
Não há dúvida que no caso de Alex Saab, visando especificamente um diplomata da Venezuela em Missão Especial no Irão, os mecanismos da Interpol foram utilizados para fins puramente políticos, em violação do princípio de neutralidade política da organização, e em violação dos direitos humanos. Alex Saab foi identificado pelo Departamento do Tesouro dos EUA do Controlo de Ativos Estrangeiros (“OFAC”) como uma das pessoas "que agiu ou supostamente agiu direta ou indiretamente para ou em nome" do regime de Maduro, e foi comparado ao "Governo da Venezuela", de acordo com a definição apropriada das Ordens Executivas dos EUA. De facto, Alex Saab foi designado em 25 de julho de 2019, nos termos da Ordem Executiva 13850, como uma das pessoas que dirige um esquema a partir da Venezuela. Estes elementos demonstram a natureza claramente política da instrumentalização dos mecanismos da Interpol.
3. A violação da imunidade diplomática: Ao utilizar os mecanismos da Interpol e ao enviar um pedido de extradição para Cabo Verde contra um diplomata venezuelano numa Missão Especial humanitária ao Irão, os Estados Unidos estão a contribuir para a violação dos princípios e normas do direito público internacional (como refletido, por exemplo, na Convenção sobre Missão Especial de 1969, que ecoa o direito consuetudinário) que consagram a soberania dos Estados, o princípio da não interferência nos assuntos internos e os princípios da imunidade e inviolabilidade diplomática. Embora devidamente informados sobre o estatuto diplomático de Alex Saab, e apesar dos protestos de vários Estados (incluindo Venezuela, Irão, Rússia), os Estados Unidos recusaram retirar o seu pedido de extradição e contribuíram assim para prolongar a detenção arbitrária de Alex Saab em Cabo Verde.
4. As violações sistemáticas e graves da lei dos direitos humanos, incluindo a tortura: Neste caso, ao orquestrar uma tal operação para prender e deter arbitrariamente um opositor político na sua qualidade de diplomata venezuelano, os Estados Unidos são cúmplices de uma série de violações dos direitos humanos: prisão e detenção arbitrárias; atos de tortura (em que alegadamente participaram agentes americanos) para obter informações ou incriminações do governo venezuelano; maus-tratos; negação de acesso a cuidados médicos; e violações das garantias judiciais e dos direitos de defesa.
Alega-se que a recusa de retirada do pedido de extradição, por parte dos Estados Unidos, apesar das violações dos direitos humanos que têm sido relatadas e documentadas desde 12 de junho de 2020, acentuou e prolongou essas violações. Ele não foi julgado por qualquer crime, nem em Cabo Verde nem nos Estados Unidos, e no entanto passou 16 meses em detenção arbitrária, a simples pedido dos Estados Unidos. Por conseguinte, pode ser alegado que tratados como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ou a Convenção contra a Tortura são violados, diretamente e por procuração.
5. Três violações específicas em particular colocam a violação deliberada e consciente dos direitos de Alex Saab em contraste flagrante com os lugares-comuns das autoridades cabo-verdianas sobre o seu "respeito pelo Estado de direito e pelo direito internacional dos direitos humanos".
Em primeiro lugar, apesar de duas decisões vinculativas do Tribunal de Justiça da CEDEAO contra Cabo Verde, proferidas a 15 de março e 24 de junho. Nas suas decisões, o Tribunal decidiu que a detenção de Alex Saab era ilegal, que ele fosse libertado imediatamente, que o processo de extradição fosse encerrado e que lhe fosse paga uma indemnização de 200 000 USD. Por outras palavras, os Estados Unidos, impunemente, forçaram o seu Estado vassalo, Cabo Verde, a não cumprir a decisão de um tribunal internacional altamente respeitado.
Em segundo lugar, o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas ("UNHRC ") a 8 e 16 de junho de 2021, ao conceder medidas provisórias, ordenou a Cabo Verde que suspendesse a extradição de Alex Saab enquanto investigava as alegações de tortura e negação de acesso a cuidados de saúde. O facto de Cabo Verde não ter sequer reconhecido estas diretivas resultou na receção, em julho, de uma carta de quatro Relatores Especiais das Nações Unidas e de um Grupo de Trabalho que sublinhava as obrigações de Cabo Verde ao abrigo de tratados e convenções internacionais relativamente a Alex Saab. Todas estas comunicações ficaram sem resposta e deixaram muitos observadores a abanar a cabeça em incredulidade. Este comportamento de uma das mais pequenas nações do mundo não teve lugar sem que ela soubesse que os Estados Unidos a "apoiavam" e que os Estados Unidos assegurariam que nenhum mal viria ao seu estado vassalo como resultado de desafiar a comunidade diplomática global no cumprimento dos objetivos políticos dos Estados Unidos.
Em terceiro lugar, em reconhecimento da saúde frágil de Alex Saab, o Tribunal da Relação do Barlavento de Cabo Verde ordenou a 31 de agosto que ele fosse transferido da ilha do Sal para a capital da Praia. O objetivo era permitir a Alex Saab, um doente oncológico, receber os cuidados médicos especializados urgentes de que necessitava. Os Estados Unidos estavam tão determinados a não permitir que Alex Saab conservasse qualquer aparência de dignidade que forçaram, através dos seus procuradores na polícia local, a empatar vergonhosamente a transferência de Alex Saab por motivos médicos até que o seu objetivo político fosse cumprido a 16 de outubro de 2021.
CONCLUSÃO
As implicações a longo prazo da detenção e do sequestro de um diplomata que empreende uma Missão Especial humanitária pacífica são provavelmente negativas. As nações mais pequenas em particular, que se juntam a organizações multilaterais para a proteção que oferecem da hegemonia das nações maiores, devem estar profundamente preocupadas. Como a Federação Russa observou numa declaração emitida a 12 de agosto, os Estados Unidos e Cabo Verde deveriam estar a par de que as suas ações poderiam "virar-se contra eles".
Atenciosamente,
31 de Octubto de 2021
FEMI FALANA, SAN, FCI Arb.