Jazz vai conquistando cabo-verdianos no Mindelo e já se funde com o tradicional

“Na verdade, a nossa forma de viver em São Vicente tem muito de jazz: o improviso”, explica à Lusa o baixista Kiso Oliveira.

Um género ouvido ainda em poucos lugares, apesar de Cabo Verde já ter um festival dedicado ao jazz, que no entanto engloba outras harmonias.

O guitarrista Vamar Martins, músico também em São Vicente, considerada a capital cultural de Cabo Verde, explica que a sua sensibilidade pelo jazz começou em criança. Cresceu a ouvir jazz, no entanto tinha outras referências na altura.

“Os meus pais sempre tiveram muita discografia em casa e o meu primeiro contacto veio de criança. Nos anos 90, os colegas da mesma idade ouviam mais rock, heavy-metal e foi um CD do grande guitarrista do jazz, George Benson, que ouvi e que acabei por gostar do ritmo. Comecei a tentar tocar e foi a partir daí que as coisas foram evoluindo”, garante Vamar Martins.

Para este guitarrista, filho de artistas locais em destaque na música cabo-verdiana, fazem falta naquela ilha espaços que se dediquem apenas ao jazz.

“Aqui não há, porque temos lugares aqui inspirados no jazz, mas que tocam essencialmente música tradicional cabo-verdiana. Não temos um espaço com identidade de jazz e apesar dos festivais de jazz que temos em Cabo Verde, não são essencialmente de jazz”, conta o artista, que acaba de lançar o “Inkrustod”, que junta os ritmos da música cabo-verdiana com o jazz.

Aliás, este defende que a improvisação, essência do jazz, já é usual na música tradicional cabo-verdiana, mas que falta ainda a cultura do jazz, que se desenvolveu nos Estados Unidos da América, inicialmente entre afro-americanos.

O ritmo tem guiado a carreira de diferentes artistas cabo-verdianos. É o caso também de Roy Job, que se lembra de ter tido contacto com o jazz a partir do momento que emigrou para o outro lado do Atlântico, nos anos 70, e que este ritmo dominou a maior parte da sua carreira.

“Em Cabo Verde naquele tempo o jazz não era tão transmitido na rádio e, como guitarrista, o rock era o que mais me influenciava. O meu contacto com o jazz foi nos Estados Unidos quando comecei a tocar teclado e a ouvir referências como Bob James, entre outros, com muita influência tropical”, garante o músico e produtor de jazz de São Vicente.

Esse contacto deu-lhe outras valências e a sensibilidade para a música, levando-o a fundir diferentes ritmos e estilos com o jazz.

Job garante que músicos cabo-verdianos com influência de jazz tendem a ter técnicas mais avançadas. Por esta razão, defende a necessidade de uma atenção maior quando se programa eventos dedicados a este género.

“É uma grande ideia ter iniciativas de jazz em Cabo Verde porque dá outra visão aos mais jovens, porque no nosso tempo limitávamo-nos ao tradicional”, refere o artista.

Outras iniciativas locais têm vindo a despertar os artistas mais jovens para este universo.

O músico Lúcio Vieira lembra que, quando era criança, artistas que vinham de fora traziam influências que apresentavam aos mais novos. Foi nesta “onda” que começou a sua viagem pelo jazz.

“Quando tinha sete anos, o [músico] Vasco Martins tinha vindo de França e viu-me a tocar com Biús [artista cabo-verdiano já falecido] e convidou-nos para tocar na Galeria ’Nho Djunga’. Gostava de mostrar aos jovens os discos de vinil que trazia e ouvíamos muito jazz, e foi o nosso primeiro contacto”, sublinha.

Para Lúcio Vieira - que começou como baixista e hoje dedica-se mais ao piano, atualmente há muito mais público para este estilo musical do que antigamente e um desenvolvimento maior de artistas para entender e reproduzir a linguagem do jazz. É precisamente esta linguagem e capacidade de improviso que quer transmitir aos mais jovens, juntamente com os músicos Markus Leukel e Kiso Oliveira, através da banda local John Miller Gazz Band.

“John Miller foi formado por mim depois de regressar a Cabo Verde porque queria conhecer esta nova geração. Então comecei a formar uma ‘jam session’ na minha casa, convidava jovens músicos e ficava a observar a capacidade de cada um”, frisa, acrescentando que o grupo faz uma espécie de ’jazz fusion’ com originais, baseado em improviso e na fusão de música tradicional com o jazz.

A Semana com Lusa

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