Testemunha que entregou passaporte nega ameaça e diz que arguido nunca se apresentou como deputado
Carla da Rosa era a oficial de Justiça de piquete no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), na tarde do dia 24 de Junho de 2021, quando o advogado Amadeu Oliveira ali se deslocou para recolher o passaporte do seu constituinte Arlindo Teixeira, já que deixara de vigorar a medida de coação a este imposta de interdição de saída do País.
Segundo contou ao tribunal, ouvida na tarde de hoje, através de videoconferência a partir da Cidade da Praia, quando o arguido chegou à secretaria do STJ a solicitar o passaporte pediu a este para aguardar enquanto ela, oficial de Justiça, iria ao primeiro andar esclarecer com o juiz-relator do processo uma dúvida sobre o acto de entrega.
Que o juiz não se encontrava, tentou enviar mensagem, mas como não obteve resposta, “passado algum tempo”, pediu ao arguido que regressasse noutro dia pela manhã.
Que nisso, conforme contou, Amadeu Oliveira “se exaltou, fez barulho e tumulto” ao mesmo tempo que “chamou nomes pejorativos aos juízes e dizendo que se tratava um bando de juízes falsificadores”, mas que não se lembrava de outras qualificações pejorativas dirigidas aos juízes, e que a seguir ele se foi embora.
No dia seguinte, 25 de Junho de 2021, no período da manhã, conforme a testemunha Carla da Rosa, o arguido regressou ao STJ e ela o informou que já tinha autorização para entregar o passaporte e pronto o guia de entrega, mas que o mesmo só seria entregue à advogada Suellen Rodeia, tida no processo como advogada do arguido.
Disse que não se lembra se o advogado fez barulho como no dia anterior, mas que ele próprio telefonou à advogada Suellen Rodeia que recebeu e documento, por sua vez, o entregou ali mesmo ao advogado Amadeu Oliveira.
Questionada pela equipa de defesa, a oficial de Justiça disse que “não foi obrigada” pelo arguido a entregar o passaporte, que “não houve nenhuma ameaça” e que Amadeu Oliveira foi “várias vezes” ao STJ sempre na qualidade de defensor oficioso e nunca tratou qualquer assunto com ela na qualidade de deputado.
Um outro ponto que marcou a sessão da tarde de hoje foi um pedido da defesa de Amadeu Oliveira que ditou para a acta um requerimento para impugnar a leitura de duas notícias do online Notícias do Norte.
Para a defesa tratou-se de prova obtida através de mensagens do aplicativo WhatsApp, que “não obedece às regras legais” sobre a obtenção de provas, através de meios informáticos e/ou electrónicos.
O Ministério Público reagiu de pronto e alegou não haver fundamento “de facto, nem base legal nem constitucional” para sustentar os argumentos da defesa para solicitar a impugnação, pelo que pediu que o requerimento fosse indeferido.
No seu despacho, a juiz-presidente do colectivo transferiu para a decisão final (acórdão) a apreciação e decisão da questão suscitada pela defesa.
Na recta final da sessão da tarde de hoje, que durou cerca de uma hora, a mais curta do julgamento, a juiz-presidente informou que a audição vai prosseguir na quarta-feira, as 15:00, devido a “alguns trabalhos inadiáveis” no edifício do Palácio da Justiça, que deverão estender-se pelo período da manhã de quarta-feira, 14.
O advogado Amadeu Oliveira está acusado de um crime de atentado contra o Estado de Direito, um crime de coacção ou perturbação do funcionamento de Órgão Constitucional e dois crimes de ofensa a pessoa colectiva.
Foi detido no dia 18 de Julho de 2021 e, dois dias após a detenção, o Tribunal da Relação do Barlavento, sediado em São Vicente, aplicou a prisão preventiva ao então deputado nacional eleito nas listas da União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID) pelo círculo eleitoral de São Vicente.
No dia 14 de Fevereiro, como resultado de uma Audiência Preliminar Contraditória, Amadeu Oliveira foi pronunciado nos crimes que vinha acusado e reconduzido à Cadeia Central de São Vicente onde continua em prisão preventiva.
Em 29 de Julho, a Assembleia Nacional aprovou, por maioria, em voto secreto, a suspensão de mandato do deputado, pedida em três processos distintos pela Procuradoria-Geral da República (PGR), para o poder levar a julgamento.
Em causa estão várias acusações que fez contra os juízes do Supremo Tribunal de Justiça e a fuga do País do condenado inicialmente a 11 anos de prisão por homicídio – pena depois revista para nove anos – Arlindo Teixeira, em Junho do ano passado, com destino a Lisboa, tendo depois seguido para França, onde está há vários anos emigrado.
Arlindo Teixeira era constituinte de Amadeu Oliveira, forte contestatário do sistema de Justiça cabo-verdiano, num processo que este considerou ser “fraudulento”, “manipulado” e com “falsificação de provas”.
Amadeu Oliveira assumiu publicamente, no parlamento, que planeou e concretizou a fuga do condenado, de quem era advogado de defesa, num caso que lhe valeu várias críticas públicas. A Semana com Inforpres