Centenas de motoristas cabo-verdianos à procura de vaga em transportadora

O recrutamento para 30 motoristas de autocarro da empresa de Santa Maria da Feira estava previsto arrancar às 14:00 locais (16:00 em Lisboa), mas seis horas antes já eram centenas à porta do hotel, primeiro à chuva e depois sob um sol abrasador, munidos das obrigatórias cartas de condução de pesados e os certificados de aptidão.

Ao início da tarde a enchente era tal que foram chamados agentes da Polícia Nacional para organizar o espaço e evitar engarrafamentos.

A crise em Cabo Verde, com os impactos económicos da covid-19, a escalada de preços nos últimos meses e a falta de oportunidades, aliada aos baixos salários, que para um motorista de transporte de passageiros ronda os 200 a 300 euros mensais, levaram cabo-verdianos de toda a ilha de Santiago à porta do hotel.

É o caso de Valdemiro Tavares, com carta de pesados para transporte de passageiros desde 2001 e desde então a exercer naquela atividade. Agora, aos 50 anos, decidiu que é altura de partir para Portugal.

“As coisas estão completamente difíceis, falta de chuva, falta de emprego. Se houver oportunidade de ir para fora, melhor”, explicou à Lusa.

Casado e com cinco filhos, dedica-se também ao táxi na capital cabo-verdiana e lamenta a situação económica: “Encontrei esta oportunidade e estou à procura de outro caminho, porque Cabo Verde tem falta de emprego”.

“Com a idade que eu já tenho é uma oportunidade de ter uma vida melhor, quero ainda trabalhar, para procurar a reforma”, desabafou, enquanto espera pela chamada para a entrevista, ao lado de centenas de colegas que se amontoam no exterior do hotel.

“Nós não anunciámos que vínhamos cá. Nós só anunciámos a 30 ou 40 pessoas, que é com quem já tínhamos de facto contacto e nós até só viemos cá recolher os contratos de trabalho, falar com eles, fazer teste de estrada. Entretanto, fiquei surpreendido com esta avalanche de gente aqui à porta para ser trabalhador da Auto Viação Feirense. Ficamos felizes”, confessou à Lusa Luís Osório, responsável jurídico da empresa.

Fundada em 1936, conta com mais de 400 autocarros, em serviços locais, regionais, nacionais e internacionais, operados por, atualmente, mais de 250 motoristas. Em breve, espera o responsável, serão mais 30 cabo-verdianos, simplesmente porque em Portugal já não encontram motoristas.

Na primeira fase, explicou, a empresa pretende recrutar 30 em Cabo Verde, até final do mês, tudo dependendo do processo de emissão de vistos de trabalho pelas autoridades portuguesas: “Nós vamos cumprir toda a legalidade, aquilo que nos pode atrasar o recrutamento internacional é a emissão do visto de trabalho (…) Nós queremos dar-lhes as melhores condições, as condições que damos a qualquer trabalhador, trabalho sem termo, mas para isso precisamos dos vistos”.

Pacientemente, de papéis nas mãos, Edmilson Ribeiro, motorista com carta de pesados de passageiros desde 2011, confessa à Lusa que para sustentar os quatro filhos tem de um segundo trabalho. Aos 32 anos e uma década ao volante do autocarro na capital, a diferença salarial para o que Portugal promete, acima de mil euros mensais, não lhe deixa dúvidas: “É por isso que tentamos ir a qualquer custo”.

Enquanto espera para ser chamado para a entrevista, Edmilson assume a decisão de partir: “É uma oportunidade que temos. Em Cabo Verde está muito difícil, com estes salários, atualmente, não conseguimos sustentar a família um mês inteiro. Está difícil mesmo, cada vez mais difícil. Se há uma oportunidade melhor, para nós e para a nossa família, temos de a agarrar”.

Ainda assim, com centenas a concorrerem para apenas 30 vagas nesta fase, reconhece que as suas hipóteses não são muitas. “Se Deus quiser e for escolhido é bom. Se não for e for outro jovem, também é bom. O importante é que haja oportunidade”.

É a mesma oportunidade que Adérito Sanches, motorista de 38 anos, da Praia, tenta agarrar e partir para Portugal.

“É um novo horizonte para os jovens cabo-verdianos, porque a situação aqui em Cabo Verde é um bocadinho precário e encontramos esta oportunidade, que vai ser muito ótima”, conta à Lusa, enquanto aguarda, por entre os pingos da chuva, que, neste quarto ano de seca no arquipélago até tem sido abundante e que todos desejam seja para ‘abençoar’ a partida.

Com carta de motorista de transporte de passageiros desde 2017, diz-se pronto para deixar a Praia para trás e partir para a empresa de Santa Maria da Feira, pensando no sustento dos dois filhos em Cabo Verde: “Fé em Deus. Se for escolhido vai ser ótimo, muito ótimo mesmo”.

A Auto Viação Feirense, explica o administrador, está em processo de crescimento e prevê aumentar a frota de autocarros para mais de meio milhar no próximo ano, mas depara-se, como outras que já recrutaram também em Cabo Verde recentemente, com falta de motoristas.

“Nós vamos em breve começar uma grande operação que é o chamado lote quatro da Área Metropolitana do Porto, foi-nos concessionado um lote que envolve à volta de 150 autocarros diários, isso implica um aumento de produção”, explicou Luís Osório.

Contudo, sublinha, o mercado de motoristas em Portugal “atingiu o pleno emprego”: “Já antes da pandemia havia alguma falta de motoristas. Com a pandemia, tanto o serviço de autocarro, sobretudo autocarro de turismo, parou. Muita gente que era motorista saiu da profissão, montou o próprio negócio e foi para o sítio. Muito motorista de autocarro saiu para a carga e mantém-se na carga, não regressou. O transporte de passageiros já antes tinha um défice muito grande, ou seja, reformavam-se mais do que os que entravam”.

Em Cabo Verde, ao longo dos próximos dias, a empresa vai procurar sobretudo motoristas com experiência, mas esta busca fora de Portugal já começou no início do ano, no Brasil.

O recrutamento em Cabo Verde pela empresa de Santa Maria da Feira promete não ficar pelos 30 motoristas iniciais.

“É um sítio fácil de recrutamento. O Governo percebeu isto no verão, alterou a lei por forma a dar algumas equivalências às cartas de condução e nos certificados de aptidão de motorista. E, portanto, percebemos que aqui em Cabo Verde era um bom sítio, onde nós podemos ir buscar motoristas para operar os nossos autocarros”, assumiu, prometendo uma “mudança de vida” aos que forem recrutados por estes dias para a Auto Viação Feirense.

“Procuramos pessoas que queiram trabalhar, simplesmente trabalhar”, concluiu. A Semana com Lusa

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