São Vicente: “O maior desafio dos enfermeiros é apostar na formação e aperfeiçoar-se para cuidar da população” – ex-enfermeira
A enfermeira reformada Arciolinda Miranda, conhecida em São Vicente
por Dona Chu, que trabalhou 40 anos na área de saúde reprodutiva e
planeamento familiar, disse que o maior desafio da classe é apostar na
formação para cuidar da população.
Esta visão de Dona Chu foi partilhada à Inforpress a propósito do Dia Internacional do Enfermeiro que se celebra hoje.
Para esta enfermeira, que pertenceu ao primeiro grupo que se formou na era pós-independência, as condições actuais para formação dos profissionais e de trabalho são mais acessíveis, porque têm mais possibilidades de fazer todo o seu percurso académico.
Segundo lembrou, quando iniciaram o primeiro curso, na Escola de Enfermagem Hugo de Barros, no hospital de São Vicente, não havia sequer livros, salas e tiveram que ir buscar um quadro no Liceu Ludjero Lima para arrancar com a formação.
“Neste momento, a situação está completamente diferente. Um enfermeiro sai da escola e continua a sua formação. Só não continua quem não quer. Neste momento têm todas as condições, porque hoje em dia um enfermeiro faz curso, faz mestrado, especializa-se na área que quer e faz doutoramento. Antes era difícil”, relatou a aposentada que, apesar das dificuldades que encontrou na altura, afirmou que se tivesse a oportunidade de nascer outra vez seria enfermeira novamente.
“Para mim, a enfermagem é tudo, nasceu dentro de mim. O irmão do meu pai era enfermeiro, tinha primos que eram enfermeiros. Se nascesse de novo seria enfermeira”, reforçou a mesma fonte, explicando que iniciou o curso numa altura em que Cabo Verde não tinha muitos profissionais nessa área e a ilha São Vicente tinha apenas sete enfermeiros e alguns auxiliares de enfermagem.
Depois de concluir a formação, em 1980, Dona Chu fez estágio no Programa de Protecção Materno-Infantil – Planeamento Familiar (PMI-PF) da Bela Vista e enviada para Santo Antão, para atender as populações de Paul, Ribeira Grande e outras comunidades.
Foi, segundo a mesma fonte, um trabalho difícil, mas ao mesmo tempo gratificante, tendo em conta que teve que criar estratégias para trabalhar a mentalidade das mulheres e homens para aderirem ao Planeamento Familiar e evitar que tivessem muitos filhos, principalmente numa altura em que as “condições de saúde eram precárias” e o país estava uma “situação de miséria”.
“Conscientizar as pessoas para basicamente vacinar os filhos e fazer o planeamento familiar, usando métodos contraceptivos. Era um trabalho de esclarecer as mulheres até que aceitassem convencer os maridos. Alguns rejeitavam, escondiam as pílulas das esposas, e eu dizia às mulheres para esconderem as pílulas na cozinha, onde os maridos não entravam muito. Também, criamos estratégias para enganar os maridos para que as mulheres pudessem colocar o Dispositivo Intra Uterino (DIU) “, recordou.
Em Santo Antão, Dona Chu diz ter percorrido “grandes distâncias” para atender pessoas em lugares recônditos porque, devido a sua paixão pela área de saúde reprodutiva, das carências existentes na altura, sentia que a sua missão era a de “educar as pessoas e amar o próximo”.
“Não recebíamos muito, mas também tinha mais nada que lhes oferecer senão os meus serviços. Também lhes oferecia amizade e retribuíam-me com amizade. Hoje vou para Santo Antão e há muitas pessoas que se lembram de mim. Tenho muito respeito e gratidão para com as gentes de Santo Antão, porque tinha uma localidade, chamada de Figueiras, que eu ia a cada três meses, as pessoas não tinham muitas condições, mas uma senhora cedia a cama dela para que eu pudesse dormir”, acrescentou a enfermeira, que também regressou à ilha de São Vicente e trabalhou no PMI da Bela Vista, a prestar cuidados de saúde reprodutiva, onde também fez “grandes amizades com os pacientes”.
Dona Chu também trabalhou na área de curativos do Hospital Baptista de Sousa e algumas vezes foi prestar serviço em Angola, Moçambique e São Tomé, trabalhos que, segundo a mesma. lhe trouxeram uma complementaridade à aquilo que já fazia na sua área.
Atualmente aposentada, Dona Chu diz-se orgulhosa do seu percurso pela contribuição que deu desde quando o país era tido como “improvável” até momentos mais animadores.
O Dia Internacional do Enfermeiro celebra-se a 12 de Maio. Foi criado pelo Conselho Internacional dos Enfermeiros e a data escolhida remete para o aniversário de Florence Nightingale, considerada a fundadora da enfermagem moderna.
Inforpress