Portugal também é responsável pelas violações de direitos humanos na Guiné Equatorial
"A Guiné Equatorial tem muito petróleo e (os países) não querem ter más relações com uma pessoa que lhes vende petróleo. Muitos países, incluindo Portugal, que compram petróleo a países como a Guiné Equatorial têm de sentir-se também responsáveis pelo que acontece" em matéria de direitos humanos, disse.
O advogado equato-guinenense, que foi coordenador do Centro Regional para África Central da organização Transparência Internacional, membro da CEID-GE, uma das mais importantes ONG da Guiné Equatorial e trabalha como consultor especialista em governação e anticorrupção, falou à agência Lusa, em Lisboa, onde vive há cerca de dois meses.
"É do conhecimento de todos que há violações de direitos humanos, mas continua-se a comprar petróleo e a fazer negócios com o país", acrescentou.
Lucas Olo Fernandes defendeu a necessidade de uma "mudança de política" da comunidade internacional em relação a países como a Guiné Equatorial ou Angola, que considerou outro "exemplo muito semelhante", mas reconhece que "será muito difícil"
Em 2018, a Guiné Equatorial foi o sexto maior fornecedor de petróleo a Portugal a seguir à Rússia, Angola, Azerbaijão, Arábia Saudita e Cazaquistão.
Nascido na Guiné Equatorial, Lucas Olo Fernandes tem exatamente os mesmos 40 anos que o regime do Presidente Teodoro Obiang, 77 anos, que chegou ao poder através de um golpe militar.
"Nasci em 1979, justamente quando Obiang chegou ao poder. Nunca conheci outro Presidente. Em 40 anos, o país mudou muitíssimo estruturalmente (...) com a chegada do petróleo, mas a pobreza mantém-se quase igual", disse.
"Há que reconhecer que (os benefícios do petróleo) chegaram a bastantes pessoas porque é muito petróleo e alguma coisa chega, mas se antes estávamos com 85% da população em pobreza extrema, agora devemos estar nos 70%. Continuamos com níveis muito altos", acrescentou.
Lucas, cuja família nunca viveu em pobreza extrema, recordou, ainda assim, as provações diárias num país sem serviços básicos mínimos e debaixo de um regime opressor.
"Vivia melhor do que a maioria do equato-guieenses, mas essa vida incluía não ter água corrente, não ter luz todos os dias ou não ter serviços médicos regulares. Os que eram verdadeiramente desfavorecidos, morriam", disse.
A falta de serviços médicos era, nessa altura, particularmente dura para a população feminina, apontou Lucas Olo Fernandes, lembrando que "quanto mais avançava nos estudos, menos raparigas tinha na turma".
"É devastador para qualquer sociedade não ter toda a gente em pé de igualdade", disse, adiantando que a maioria da população não beneficiou da exploração do petróleo.
Por outro lado, Lucas Olo, que saiu do país em 1997 para estudar em Espanha, apontou a repressão como a face mais visível do regime.
"Vives numa sociedade em que o polícia ou o comissário do teu bairro tem a liberdade de deter-te porque tens as calças rotas, possivelmente porque não tens outras. É um contexto que toda a gente percebe [...], não há aceitação da população, há resignação porque não há alternativa", disse.
Para Lucas Olo, que fez carreira como advogado na área dos direitos humanos e governabilidade, especializado na Guiné Equatorial, onde regressa com frequência, nem uma eventual saída do poder de Obiang abre perspetivas de melhoria.
"A situação seguramente piorará se houver uma sucessão de tipo dinástica ou monárquica", disse, numa referência à eventual chegada ao poder do vice-presidente e filho mais velho do chefe de Estado, "Teodorin" Nguema Obiang Mangue.
A Guiné Equatorial é um dos nove Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a que aderiu em 2014, mediante um roteiro de melhoria da situação dos direitos humanos, e de abolição da pena de morte, compromissos que ainda não concretizou.