Estados Unidos e Irão descartam encontro proposto por Trump
Postado
31/07/2018 11H15
O Presidente norte-americano mostrou-se disponível para se reunir com Hassan Rouhani “sem condições prévias”, uma possibilidade que foi entretanto rejeitada pela própria Administração norte-americana e pelos conselheiros do Presidente da República Islâmica. O convite surge uma semana depois das ameaças hostis de Donald Trump ao homólogo iraniano e a poucos dias do início de reposição das sanções contra Teerão, após a retirada unilateral dos Estados Unidos do acordo de 2015 sobre o programa nuclear.
Em qualquer momento, sem quaisquer pré-condições. “Seria bom para o
país, bom para eles, bom para nós, bom para o mundo. Sem condições
prévias. Se eles querem encontrar-se, eu vou”, disse na segunda-feira o
Presidente norte-americano sobre a possibilidade de um encontro com o
líder iraniano, Hassan Rouhani.
As declarações foram registadas durante a conferência de imprensa de
segunda-feira com o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, e
surpreenderam pela abrupta e espontânea mudança de tom que é geralmente
escolhido na retórica direcionada ao regime iraniano.
Um abrupta mudança de tom quando ainda na semana passada, um tweet colérico
de Trump ameaçava abertamente Teerão. “Não voltem a ameaçar os Estados
Unidos outra vez ou vão sofrer consequências como poucos sofreram ao
longo da história”, escreveu o Presidente norte-americano, um dia depois
de Rouhani ter avisado que uma guerra entre o Irão e os Estados Unidos
seria “a mãe de todas as guerras”.
Este foi um dos pontos mais tensos numa relação que se tem deteriorado
desde que os Estados Unidos anunciaram, em maio último, que iriam
abandonar o acordo sobre o programa nuclear iraniano, assinado em 2015
pelo Irão e por um conjunto de potências europeias e mundiais.
Dias depois, a inesperada proposta de Trump para um encontro histórico
com Hassan Rouhani foi desde logo descartada pela própria Administração
norte-americana. Em declarações à CNBC, ainda na segunda-feira, o
secretário de Estado Mike Pompeo, referia alguns dos pré-requisitos que
seriam necessários para iniciar o diálogo com o Irão.
“Se os iranianos demonstrarem vontade de fazer mudanças fundamentais na
forma como tratam o seu próprio povo, na restrição do seu comportamento
maligno e ao concordar que vale a pena iniciar um acordo nuclear que
realmente impeça a proliferação, então o Presidente estará preparada
para se sentar e conversar”, afirmou o responsável máximo pela
diplomacia norte-americana.
Em maio último, Mike Pompeo tinha delineado 12 "condições necessárias"
ao estabelecimento de um novo acordo com o regime iraniano, em
contrariedade com a posição agora defendida por Trump. Na altura, o
secretário de Estado exigia, por exemplo, a retirada de tropas iranianas
das guerras na Síria e no Iémen.
Outro encontro inédito?
Em reação às palavras de Trump, também o Conselho de Segurança Nacional
norte-americano veio esclarecer que os Estados Unidos “não vão levantar
quaisquer sanções ou restabelecer relações diplomáticas e comerciais”
com o Irão até que haja “mudanças tangíveis e sustentadas” em Teerão.
“Até lá, o peso das sanções tornar-se-á mais doloroso até que o regime mude de rumo”, acrescentou um porta-voz.
Por sua vez, um dos conselheiros de Hassan Rouhani, Hamid Aboutalebi,
veio esclarecer que qualquer reunião entre os dois líderes só
aconteceria com provas de “respeito pela grande nação do Irão”, com o
regresso efetivo dos Estados Unidos ao acordo nuclear de 2015.
Já esta terça-feira, o próprio Presidente iraniano lembrou que a decisão
de sair do acordo, assumida por Donald Trump, é “ilegal”.
Kamal Kharazi, responsável pelo Conselho Estratégico iraniano para as
Relações Externas, desvalorizou esta terça-feira a oferta do Presidente
norte-americano.
"Tendo em conta nas nossas más experiências em negociar com a América e a
violação recorrente pelos norte-americanos dos seus compromissos, é
óbvio que não vemos nenhum valor na proposta de Trump", referiu o
responsável.
Um eventual encontro entre Trump e Rouhani seria o primeiro face-a-face
entre os Presidentes dos dois países desde a Revolução Islâmica de 1979.
Desde então que o contacto mais próximo entre dois responsáveis dos
dois países foi por telefone, entre Rouhani e Obama, em 2013.
Não obstante o exemplo recente da cimeira de Singapura, que reuniu
Donald Trump e o líder norte-coreano num encontro histórico e inédito, a
possibilidade de um encontro entre Rouhani e o homólogo norte-americano
parece neste momento longínqua e distante.
Na próxima semana, a partir de 6 de agosto, os Estados Unidos vão
iniciar a primeira fase de reposição de sanções financeiras contra
Teerão. O segundo estágio da reposição de sanções deverá acontecer a 4
de novembro, com a retirada de empresas estrangeiras de território
iraniano. Este segundo pacote de sanções será imposto precisamente dois
dias antes das eleições intercalares que se realizam este ano nos
Estados Unidos.
Também em novembro, Washington pretende impor um embargo internacional
ao petróleo iraniano. Quem desrespeitar esta diretiva e continuar a
importar poderá sofrer sanções, avisa Washington.
Perante esta hipótese, Teerão já ameaçou em várias ocasiões e por via de
vários responsáveis, fechar o Estreito de Hormuz, localizado no Golfo
Pérsico, e por onde passa cerca de 30 por cento de todo o fluxo de
petróleo a nível mundial.
“A República Islâmica nunca procurou aumentar a tensão na região nem
quer criar problemas nos cursos de água a nível global, mas não vai
desistir tão facilmente do seu direito de exportar petróleo”, afirmou
esta terça-feira o Presidente iraniano.
Duelo entre Washington e Bruxelas
A retórica de ameaça entre Estados Unidos e Irão tem crescido ao longo
dos últimos meses desde que Donald Trump anunciou, a 8 de maio, que iria
retirar os Estados Unidos do acordo sobre o programa nuclear iraniano,
assinado em 2015 ao fim de vários anos de negociações.
Também conhecido por Plano Conjunto de Ação (Joint Comprehensive Plan of Action –
JCPOA, na sigla em inglês), este acordo reunia Estados Unidos com
várias potências, desde logo a Rússia e a China, mas também a França,
Reino Unido e Alemanha, com a participação da União Europeia.
Desde a campanha eleitoral que Donald Trump se assumia como um crítico
acérrimo do documento assinado durante o mandato de Barack Obama,
denunciando que o acordo permitia vantagens financeiras e económicas em
troca de uma mera limitação temporária do programa nuclear iraniano.
Para além disso, o atual Presidente norte-americano considera que um
acordo abrangente com o Irão deverá abordar a influência do país que vê
como uma força “desestabilizadora” no Médio Oriente.
Na sequência da decisão norte-americana, os restantes países que
participaram nas negociações continuam a tentar assegurar que o acordo
multilateral se mantém de pé, com Teerão a exigir a conservação de
vantagens e benefícios para o país, mesmo depois da saída dos Estados
Unidos.
Os esforços têm sido liderados pela União Europeia, em rota de coligação
com o aliado norte-americano. França, Alemanha e Reino Unido
comprometem-se a respeitar o acordo e a União Europeia continua a
preparar um “estatuto de bloqueio” que deverá entrar em vigor nos
próximos dias.
Esta nova legislação, aprovada a 17 de julho, tem como propósito
proteger as empresas europeias dos efeitos das sanções norte-americanas e
permitir que estas continuem a fazer negócios com o Irão.
“O Estatuto de Bloqueio proíbe as empresas da UE de cumprir os efeitos
extraterritoriais das sanções dos EUA, permite às empresas a obtenção de
indemnizações decorrentes de tais sanções junto da pessoa causadora dos
prejuízos, e anula o efeito na União Europeia de quaisquer decisões
judiciais estrangeiras que se baseiem nelas”, explicou Federica
Mogherini, chefe da diplomacia europeia, no início do mês.
No entanto, os Estados Unidos já vieram reafirmar que não vão isentar
as empresas europeias de sanções por negócios com o Irão, uma vez que o
novo regime sancionatório norte-americano prevê punir as empresas
internacionais que continuem a operar em solo iraniano.
Apesar da firme defesa do acordo nuclear, a União Europeia receia perder
mais de 855,5 milhões de euros em relações comerciais com os Estados
Unidos, como resultado do impasse transatlântico.
Do lado iraniano, a Presidência espera que Bruxelas se mantenha fiel à
sua palavra. “Após a saída ilegal dos Estados Unidos do acordo, a bola
está neste momento do lado europeu”, referiu Hassan Rouhani esta
terça-feira
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