Família e oportunidades, ingredientes para travar criminalidade em Cabo Verde

Eu sou do bairro e conheço a maioria. São crianças que eu vi nascer, que eu vi crescer” e cujos pais saem cedo para trabalhar.

“Eles estão praticamente na rua” e alguns já pouco falam com os vizinhos que os rodeiam, como Edna, sentada numa cadeira de plástico, numa rua estreita, em terra batida, por entre construções degradadas, reflexo de um bairro cheio de carências.

Ali do cimo do morro veem-se, ao fundo, os edifícios do coração da cidade da Praia – do Plateau ao palácio do Governo.

Não é por falta de conselhos” dos residentes que o pior acontece, “mas é o que eles já escolheram”, ou seja, viver do pequeno crime, que nalgumas alturas degenera em casos graves, como o homicídio de Nilsa Lima.

A jovem de 16 anos foi morta a tiro quando estava na rua, na noite de 14 de agosto, por jovens que tinham aproveitado a escuridão para assaltar e disparar, oriundos de um bairro vizinho.

Apesar de serem de outra zona, Edna diz que são como os que já conhece, aqueles que de vez em quando tenta chamar à razão.

Há dias juntei-os, cerca de 20. Falei com eles, porque já tive ‘thug’ (criminoso) na minha casa e já sei qual é a onda. Disse-lhes que não é um bom caminho”.

Edna acredita que faz aquilo que “a sociedade e a família têm de fazer, aquilo que a autoridade e o Governo estão a fazer para isso acabar” ao tentar garantir segurança, porque as perdas acumulam-se “e são somente jovens. E isso é lamentável”.

“Se a sociedade não falar, quem é que vai falar? Se a sociedade não lhes mostrar o outro caminho, quem é que vai”, questiona, deixando sugestões.

Por que não fazer uma palestra, juntar todos eles. Há sempre pessoas na zona que tentam dar conselhos. Se cada um fizer uma parte, acho que [a situação] vai se ajustando”.

O sociólogo Redy Lima, dedicado ao estudo da violência urbana, já fez vários trabalhos de campo na cidade da Praia.

Acredita que a criminalidade em Cabo Verde é reflexo de uma “segregação das oportunidades”, em que os recursos “são distribuídos numa lógica partidária, de amizade, de grupo”, revoltando os jovens que ficam excluídos.

O problema de Cabo Verde não é a falta de oportunidades, o problema é parecer que o acesso a essas oportunidades não é igual para todos”, descreve.

Tratar da criminalidade é uma questão social, não só policial, pelo que a repressão que tem sido usada só funciona temporariamente – quando a polícia sai, os problemas regressam, ilustra.

“Infelizmente não temos políticas públicas em Cabo Verde, temos projetos”, considera Redy Lima, referindo que até já houve iniciativas interessantes, envolvendo várias comunidades - mas todos os projetos têm data de validade e depois de terminarem, a violência regressa, porque a população fica sem soluções para a escassez de recursos.

O que deve ser feito é aquilo a que eu chamo de política colaborativa de segurança comunitária”, assente numa estrutura do Estado que integre os jovens que já passaram pelo mundo do crime - e que entretanto se tornaram ativistas sociais -, que integre associações de bairro, grupos informais e organizações não-governamentais (ONG).

O segredo para o sucesso, acredita, está em “incorporar essa malta”, em vez de “terceirizar, de dar dinheiro”.

E esta política pública “não pode ser encabeçada pelo Ministério da Administração Interna (MAI)”.

O MAI deve estar presente, mas “como é uma questão social, têm de ser as instituições sociais do Estado a promover isto”. A Semana com Lusa

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