Covid-19: Sem turistas, Cidade Velha está “meio morta” e operadores na incerteza
arlos Alberto Martins Nunes, mais conhecido por Branco, está a pouco tempo de completar 25 anos como condutor das carrinhas ‘hiaces’, que fazem o percurso Cidade Velha - Praia - Cidade Velha, dois centros urbanos separados por 12 quilómetros.
Mas desde março, com o aparecimento dos primeiros casos da covid-19 no país, que a vida deu uma volta grande e, além da diminuição drástica de passageiros, a lotação deste transporte público foi reduzido de 15 para nove lugares.
"Está tudo complicado, difícil. Estivemos quase três meses parados, e quando recomeçámos as pessoas sentiram medo de viajar. Isto está mal", lamenta Branco, em declarações à agência Lusa, no centro da Cidade Velha, que é visitado anualmente por cerca de 100 mil turistas, nacionais e estrangeiros.
Branco é um dos 10 condutores de ‘hiace’ da Cidade Velha e um dos cerca de 30 de todo o concelho da Ribeira Grande de Santiago, todos afetados pela crise provocada pela covid-19.
"Antes, dava para ganhar um pão, mas agora é só para as despesas", refere o condutor, natural da Cidade Velha, lamentando que a falta de apoio das autoridades até agora obrigou-o a abrir mão de todas as suas reservas para fazer face às despesas, por exemplo com o banco e seguros.
"E sem turistas fica ainda mais complicado", enfatizou Branco, que perspetiva melhorias, mas garantiu que não será tão cedo.
A mesma opinião tem Luciano Semedo Vaz Barbosa, gerente do restaurante Penedinho, um dos quatro na orla marítima da Cidade Velha e um de três que abriram após o levantamento de algumas restrições na ilha de Sanitago, mas que continuam praticamente "às moscas".
A pandemia, segundo Luciano Barbosa, prejudicou todos os restaurantes, que têm como principais clientes os turistas que visitam o único local cabo-verdiano inscrito na lista da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) como Património da Humanidade desde 2009.
"A nossa vivência é sobretudo com turistas, mas com a covid-19 o movimento ficou fraco", lamenta o empresário, que reabriu o restaurante há um mês na esperança de ter alguns clientes, sobretudo aos fins de semana, para poder ir fazendo face às despesas.
"A Cidade Velha está meio morta, para não dizer morta", afirmou o gerente, dizendo que mesmo as pessoas da Praia não têm visitado o sítio por medo de contrair o vírus.
Questionado pela Lusa se pretende manter o restaurante aberto, mesmo com poucos clientes, Luciano Barbosa respira fundo e diz que está mais inclinado para voltar a fechar, já que o lucro é insuficiente para pagar a três funcionários, mais luz e água.
"São só despesas", indica o gerente, adiantando que o restaurante que dirige aderiu ao ‘lay-off', uma medida governamental em que os trabalhadores recebem 70% do seu salário bruto, pago em partes iguais pela entidade empregadora e pelo Estado, através do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
"Se continuar assim, vamos fechar. Quanto a isso não temos dúvida", garante Luciano Barbosa, no centro da Cidade Velha, que em períodos normais regista grande movimentação de pessoas, muitos estrangeiros, que convivem e se entendem em várias línguas com os nacionais.
Outro dos sítios habitualmente de visita obrigatória na Cidade Velha é o Centro Cultural, na Rua Banana, a mais antiga rua construída pelos portugueses em África, mas que está fechado há mais de três meses, segundo a gestora Elisabete Cardoso, que fala em "momentos muito difíceis".
Além de turistas nacionais e estrangeiros, o centro recebe visitas de estudantes e é utilizado para realizar eventos variados, desde exposições dos artesãos locais, conferências, 'ateliers', tertúlias.
"Contudo, com a situação da pandemia, fomos forçados a encerrar o espaço até estarmos preparados para nos adaptarmos a esta nova realidade", diz a gestora, acrescentando que o encerramento do espaço está a afetar a promoção da cultura cabo-verdiana, mas também a dinamização da economia local.
"É uma tristeza ver a porta encerrada e o espaço vazio, porque já não temos nem visitantes nacionais nem internacionais", lamenta Elisabete Cardoso, referindo que o espaço está a ser utilizado para "encontros pontuais", promovidos pela Câmara Municipal e por instituições locais.
A gestora adianta que o centro já tem um plano de contingência, com as medidas e adaptações necessárias para poder reabrir e voltar a ser espaço de ganha pão, sobretudo dos artesões locais, e convidados de outros concelhos.
A gestora do Centro Cultural diz que a Câmara Municipal da Ribeira Grande de Santiago está a implementar projetos de mitigação dos impactos da covid-19, que vão levar em consideração questões de género e socioeconómicas.