REPORTAGEM/São Vicente: Cenário de transmissão comunitária da covid-19 deixa pais e encarregados de educação com medo
A notícia de
que há possibilidade de transmissão comunitária da covid-19, em São Vicente,
deixou pais e encarregados de educação com medo, mesmo com as instituições de
ensino a garantirem medidas de prevenção e de distanciamento social.
A Inforpress foi para as ruas questionar os pais e encarregados de
educação sobre o seu estado de espírito, neste momento em que se deu o arranque
do ano lectivo e, numa altura em que já se contabilizam 17 casos activos da
covid-19, em que o delegado de Saúde admitiu a possibilidade de
estar a ocorrer uma transmissão local do coronavírus.
Uma das que reporta preocupação é Darlene Ferreira, 43 anos de idade,
cujo filho começou a estudar, agora, o 7º ano. Esta mãe disse que vai “colocar
tudo nas mãos de Deus” mas chamou a atenção para a questão da “higiene dentro
das escolas e em casa”.
“Espero que na escola os alunos e todos contribuam para a sua segurança
e saúde para que tudo corra bem”, declarou.
Apesar de não ter filhos na escola, Maria Francisca, 54 anos, afirmou
que tem medo que os seus três netos possam “apanhar a doença” nos colegas e
levar para casa ou eles mesmo transmiti-la para os colegas na sala de aula.
“Eu também trabalho no hospital mas trabalho cheia de medo. É uma
situação preocupante porque não sabemos se em casa temos pessoas com outras
doenças que, em associação com a covid-19, são fatais”, confessou Maria
Francisca.
Na mesma linha Lucélia Delgado, 38 anos, mãe de duas meninas, uma que
iniciou agora a 1ª classe e outra na 6ª classe, foca a sua preocupação no facto
de as crianças serem de origem e de famílias diferentes e, por conseguinte,
terem hábitos distintos.
“Vão muitas crianças de zonas e de meios diferentes. Sendo crianças, às
vezes, há alguns que cumprem e há outros que não”, defendeu esta mãe para quem
será difícil manter o distanciamento social entre crianças.
O medo é também um factor presente na mente de Dinora Évora, de 44 anos.
Apesar de ser professora ela reconhece que “toda a gente está preocupada”, mas
afiançou que apesar da situação difícil causada pela pandemia da covid-19 “a
vida deve continuar” e mesmo neste cenário de transmissão comunitária “as
crianças devem ir à escola”.
“Acho que os pais têm de mandar os filhos à escola porque a vida tem de
continuar. Sabemos que é uma preocupação de todos. Vamos ter de aprender a
conviver com o vírus e ensinar as crianças a conviverem com ele”, explicou a
professora defendendo que “Cabo Verde e o mundo podem parar por causa de uma
doença”.
No entanto, a Delegacia da Saúde de São Vicente, afirma que não há
razões para preocupações porque começou a preparar os planos de contingência
com todas as instituições de ensino, e São Vicente, um mês antes da abertura do
ano lectivo.
Segundo a enfermeira da Delegacia de Saúde de São Vicente, Marlinda
Rocha, que é responsável de Saúde Escolar na ilha, foi criado um grupo de
enfermeiros e de outros profissionais que trabalharam para criar as condições
para que as crianças tivessem aulas em segurança.
“Nós somos um grupo de enfermeiros e de outros profissionais de Saúde
que estão a ajudar as escolas a fazerem os seus planos de contingência”,
adiantou Marlinda Rocha que explicou que cada um dos Centros de Saúde da ilha
ficou responsável pelas escolas e Jardins Infantis das suas áreas de
abrangência.
“Fizemos reuniões com os responsáveis, professores e monitores,
deslocamo-nos às escolas para ver os espaçs e ajudamos a fazer o plano de
contingência e a adoptar todas as medidas de prevenção da covid-19 nas
escolas”, adiantou.
O primeiro encontro, segundo Marlinda Rocha, foi para explicar às
instituições que devem ter uma sala de isolamento para eventuais casos, como é
que o espaço tem que ser, onde se deve situar e o que deve ter, das
sinalizações nas portas de entrada e de saída, entre outros.
Tudo isso para “garantir que as crianças estejam na escola com
segurança. Mas os pais também devem saber que nós, juntamente com o sector da
educação, estamos a fazer tudo para garantir as condições possíveis nas
escolas”. Mas, os pais têm que ver que as crianças estão na comunidade”,
concretizou.
Para a psicóloga clínica e Professora da Universidade do Mindelo, Denise
Oliveira, é compreensível que os pais e encarregados de educação também
estejam a viver os efeitos da pandemia.
Denise Oliveira acrescentou que, neste momento de regresso às aulas, os
pais e encarregados de educação (se em condições sadias) “precisam transmitir
aos filhos respostas que gerem conforto, segurança, acolhimento e aprendizagem”
e, sobretudo, possam ensiná-los que “é possível aprender e lidar com as
adversidades”.
Isto porque “a percepção por parte da criança de que seus pais ou
encarregados de educação estão ansiosos, preocupados e com medo aumenta o nível
de ‘stress’ e,
quando o cérebro da criança não tem maturidade suficiente para processar estes
estímulos, adequadamente, problemas de ordem emocionais ou comportamentais ou
mesmo perturbações mentais podem surgir”, explicou Denise Oliveira.
Para esta especialista “o isolamento social prolongado, e imposto, tem
impacto sobre a saúde mental das pessoas e, particularmente, das crianças, pela
sua vulnerabilidade psicológica”.
Entre os efeitos sobre a saúde mental, disse a psicóloga, poderão estar
sentimentos de “solidão, de insegurança, de irritabilidade, de agitação, de
agressividade, de rebeldia, de desesperança, insónia, frustração, medos de
contaminação, de perdas e medo da morte, de depressão, de fobia social, de
perturbações alimentares e stress pós-traumático”, entre outros.
Para Denise Oliveira as crianças devem continuar a ir às aulas, porque
“a educação de um país não deve parar”. Mas também defendeu que, “perante uma
ameaça, todas as medidas sanitárias que contribuam para uma plena saúde pública
devem ser mobilizadas”.
“Se entre as medidas, que contenham a disseminação do vírus, a interrupção
das aulas presenciais tiver que ser contemplada, que seja”, afirmou a psicóloga
clínica acrescentando, porém, que a paragem “não pode ser encarada como férias
porque, durante esse período, geralmente não há compromisso com os estudos ou
responsabilidade em cumprir as tarefas da escola”.
Em seu entender, o sector educação “deve estar preparado para oferecer
formas de estudo e ferramentas ensino-aprendizagem alternativas ao ensino
presencial”.
No entanto, segundo a mesma fonte, é provável que os sinais e sintomas
do stress emocional, decorrentes da pandemia e dos cenários que a acompanham,
não terminem com a reabertura das escolas.
Por isso, defendeu a necessidade de um trabalho interventivo e
preventivo porque, caso contrário, “as marcas sobre a saúde mental da geração
actual de crianças e adolescentes permanecerão”, sentenciou a especialista.
FONTE:
INFORPRESS