Anne-Marie Borges é uma das “100 Mulheres Mais Influentes de África”: Jornalismo “cabo-verdiano continua a ser de élite”
O jornalismo “cabo-verdiano continua a ser de élite”. A constatação é de Anne-Marie Dias Borges, da BBC de Londrers – no Reino Unido -, uma franco-cabo-verdiana com raízes em Calheta de São Miguel – no inteiror de Santiago -, que, a pulsos singrou, e, em 2020, foi eleita como uma das “100 Mulheres Mais Influentes de África”.
Jornalista franco-cabo-verdiana, apaixonada pela África e pelos direitos das crianças e das mulheres, nasceu em França, filha de emigrantes oriundos da Calheta de São Miguel, então “pedaço” do Concelho do Tarrafal – no interior de Santiago.
Cresceu entre França e Cabo Verde, e, hoje, é jornalista da “bem conhecida” e renomada” BBC de Londres, no Reino Unido – referência de muitas gerações de cabo-verdianos.
Anne-Marie Dias Borges já “experimentou” a diplomacia, mas, é como jornalista, influenciadora digital e defensora dos direitos das crianças e das mulheres que se sente como peixe na água.
“O jornalismo cabo-verdiano continua a ser um jornalismo de elite. Deve apostar num conteúdo que seja mais atraente para o público mais jovem. Ou seja, conteúdo digital e interactivo, direccionado para aqueles que têm pouca escolaridade”, sugere, remarcando que “o jornalismo actual tem que ser um jornalismo humano e de proximidade”.
Na avaliação de Borges, “hoje, mais do que nunca, as pessoas precisam ter a certeza do que está acontecendo no Mundo” e, nesta aldeia lobal, dominada por smartphones, todos “carregamos nossas notícias, aonde quer que vamos”.
Ainda ela, “a mídia social e várias plataformas ‘online’ aproximaram o jornalista do público”.
“Na verdade, qualquer pessoa, hoje, com um telefone pode publicar conteúdo jornalístico online e as agências de notícias, muitas vezes, apresentam artigos enviados pelo público. Esses itens sempre obtêm grande sucesso. Isso mostra-nos que as pessoas gostam de ouvir e desejam um conteúdo que fale directamente com elas”, alerta, destacando que uma maneira de fazer isso “é falar, em linguagem simples, e usar termos simples”.
Sensacionalismo
No passado, houve uma tendência de publicar material numa linguagem tão distante, da maneira quotidiana de se expressar da pessoa comum, que, na opinião de Borges, criou uma distância entre o jornalista e o público.
“Isso tem que se tornar uma coisa do passado”, releva.
Dias Borges diz ter notado que, ao longo dos anos, existe uma forte tendência para o sensacionalismo, mas na sua opinião, “o principal dever do jornalista, é informar e, às vezes, entreter”.
“O sensacionalismo é atraente, hoje, já que, num Mundo liderado por mídias sociais e notícias rápidas, é preciso ser capaz de captar a atenção do leitor/ espectador, rapidamente”, sustenta, relevando, contudo, que “essa tendência está afectando a qualidade das reportagens”.
Fake News: agravamento de Covid-19
As fake news foram agravadas pelo novo coronavírus, também chamada de Covid-19.
“As notícias falsas viajam mais rápido. Por isso, os jornalistas precisam estar mais vigilantes do que nunca e não divulgá-las ainda mais”, recomenda. Borges encaixa a tese de que a Covid-19 aproxima mais – em cada dia que passa! -, os cientistas à comunicação social, notando que, “esta, é a primeira vez, na História, que um vírus atinge todo o planeta, ao mesmo tempo”.
No entendimento de Borges, com os meios de comunicação actuais, o que acontece em qualquer país do globo, é conhecido, em tempo real, em outras partes do Mundo.
“Estamos todos juntos nisso. Todos contamos com o avanço científico juntos, independentemente do nosso ‘status’ social, etnia e género. Interessante nisso, é que esta pandemia trouxe à tona os novos heróis da nossa sociedade. Quando, alguns meses atrás, poderíamos ter pensado que as nossas celebridades quotidianas eram os verdadeiros heróis, hoje, os nossos cientistas e médicos são as verdadeiras pessoas que admiramos. Essa mudança de mentalidade e prioridades é mundial”, realça Anne-Mare Dias Borges, para quem, “o nosso Mundo ficou menor”, aumentando “a sensação de proximidade de uns com os outros”.
Maior vigor
O jornalismo ganhou – ou perdeu! – mais vigor e visibilidade nestes tempos de Covid-19 – e em que proliferam os novos meios? – Pergunta o A NAÇÃO à Borges?
“O jornalismo venceu, sem dúvida. Estamos vendo, agora, o tipo de jornalismo de maior proximidade. Basicamente, essa pandemia forçou os jornalistas a repensar a maneira como levamos as notícias às pessoas. Estamos em competição directa, com qualquer pessoa que tenha um smartphone. É um facto que as pessoas vão verificar as notícias pelo telefone, várias vezes, ao dia”, contra-argumenta, exemplificando que, na América, seis em cada dez adultos, recebem notícias por meio dos seus dispositivos móveis, pelo que, “as notícias de hoje precisam ser mais rápidas e directas ao ponto”.
Borges realça que o público anseia por notícias que sejam mais relevantes para ele, imediatamente, que sejam mais acessíveis e simples.
“Todo o jornalista precisa aproveitar essa oportunidade, para se aproximar do seu público”, destaca.
Em maré de Covid-19
Como jornalistas – defende Borges -, “precisamos estar muito atentos ao que o público precisa, e não ao que pensamos que ele precisa”.
Por exemplo – prossegue -, tem havido, “especialmente na África, muitas hipóteses contraditórias sobre as formas de lidar com o vírus” de Covid-19.
Em alguns países – realça, “há equívocos”, salientando que, “como jornalistas, precisamos ser a voz da razão e da objectividade e tranquilizar o público sobre os factos”.
“Farol de esperança”
A sua nomeação como uma das “100 Mulheres Mais Influentes de ÁFRICA’2020” não lhe subiu à cabeça. Pelo contrário: entende que não é só dela e que pode aumentar e catapultar a auto-estima das mulheres de Cabo Verde.
“É uma nomeação para todas as mulheres cabo-verdianas. Como muitas cabo-verdianas, fui criada por uma mulher, que lutou a vida toda para que seus filhos tivessem tudo o que precisavam. E ela também foi criada por uma mulher, que, também, foi criada por uma mulher assim e…assim por diante”, salienta, notando que, “todas as probabilidades estavam contra mim, no nascimento”.
Borges revela ao A NAÇÃO que a sua mãe fugiu de Cabo Verde, sem dinheiro, quando estava grávida dela, pelo que teve de passar, por muitas agruras, para garantir que, as duas sobrevivessem.
“Ao longo da minha infância, ela sempre me disse e aos meus irmãos que não se precisa ser rico para ser valioso para a sua comunidade. E que a educação e a dignidade abrem todas as portas”, realça, acrescentando que, para ela, estar entre ‘As 100 Mulheres Mais Influentes de África’, realmente, reforça a minha crença de que com muito trabalho, dedicação e determinação”, pode-se alcançar tudo o que se deseja.
Borges entende que ela é “uma prova viva de que as condições em que você nasceu não é uma fatalidade”.
E destaca: “Quero usar a minha posição para ser um farol de esperança e inspiração para outras mulheres, especialmente, para as mulheres africanas, e, claro, cabo-verdianas”.
Resiliência
Instada a comentar a chamada de Elisabeth “Bê” Moreno para integrar o Governo da França, Dias Borges entende que a Europa, especialmente a França, precisavam “desse tipo de notícia”.
E avança”: “Infelizmente, nos últimos meses, vimos, em todo o Mundo, especialmente no ‘Velho Continente’, um aumento do nacionalismo e a nomeação de Elizabeth mostra o quão valioso são os filhos e filhas de imigrantes e a mais-valia que podem ser hoje. O facto de ela pertencer a uma família da Ilha de Santiago, como eu, é um testemunho da resiliência do nosso povo. Todo o Cabo Verde deve estar muito orgulhoso das realizações da Elizabeth”, salienta.
Borges consegue conciliar diversas actiavidades. Segredo?
“A chave é ser gentil consigo mesmo. Durante anos, lutei, tentando ser impecável em todos os aspectos. Isso causou muito estresse, porque, ninguém é perfeito. Hoje em dia, entendo que só preciso priorizar as tarefas mais importantes e fazer o meu melhor. É normal falhar, às vezes”, responde ao A NAÇÃO, aconselhando às mulheres que, actualmente, lutam entre ser mãe e ter uma carreira, a saída é “encontrar um sistema de organização que funcione para elas”.
Para Borges, “duas mulheres não são iguais”. E esmiúça: “Você precisa descobrir o que funciona para você, e, parar de se comparar com as outras. Pessoalmente, o que funciona para mim, é definir três tarefas diárias, que sei, que posso realizar para que, quando terminadas, me sinto bem comigo mesmo”, revela.
De olho em Cabo Verde
Apaixonada pelos direitos das crianças e das mulheres, Borges prioriza trabalhar com as comunidades de Cabo Verde.
Tem sido procurada, por várias associações, e “irei visitá-las, antes do final deste ano”, com o objectivo de concretizar essa colaboração.
“Estou, realmente, ansiosa, para ter um impacto local”, frisa Borges.
A modos de remate da conversa com o A NAÇÃO, Anne-Marrie Dias Borges realça
que, se “há uma coisa que esta crise” pandémica nos mostrou, é que
“todos somos iguais”, pelo que “é o momento perfeito” para se ser “mais
compreensivo um com o outro”, aceitando “melhor as nossas diferenças e
apoiar, uns aos outros, nestes tempos difíceis”