Lei VBG: Lúcia dos Passos realça “ganho e conquista histórica” na resposta às vítimas
A presidente da Rede das Mulheres Parlamentares
Cabo-verdianas (RMPCV) classificou hoje a lei VBG como “grande ganho” e
“conquista histórica” dos cabo-verdianos na resposta aos dados que indicavam
que 22% das mulheres eram vítimas de violência no País.
“Quem
acompanhou o desenvolvimento da lei apresentada pela RMPCV no parlamento, sabe
que esta surgiu em resposta a uma forte demanda da sociedade civil, perante os
dados do IIº IDSR-2005, que evidenciaram que 22 por cento (%) das mulheres dos
15 aos 49 anos eram vítimas de VBG em Cabo Verde”, realçou Lúcia dos Passos,
indicando que os índices mais elevados, na altura, registavam-se nas Ilhas do
Fogo (34%), Santiago (27%) e Sal (25%).
Lúcia
dos Passos, que falava à Inforpress, no âmbito dos dez anos da implementação da
Lei Especial Contra a Violência Baseada no Género em Cabo Verde, afirmou ainda
que a legislação surgiu por insistência de activistas da promoção da igualdade
e pela insuficiência de um quadro legal na matéria.
Conforme
a presidente da RMPCV, o envolvimento de todos, entre polícias, tribunais,
hospitais, ONG e a sociedade, na aplicação da lei de combate à VBG resultou em
menos desistências sistemáticas das queixas por parte das vítimas dos processos
entrados nos tribunais e permitiu que houvesse um número “muito maior” de casos
denunciados, assim como um “número maior” de processos no sistema judicial.
“A lei
especial enquadrou o crime de VBG como crime público, que pode ser denunciado
por qualquer pessoa, e que não exige queixa por parte da vítima e nem
desistência. Com esta acção, os dados do IDSR III (2018) mostram que a
violência conjugal afecta 20,4% das mulheres em Cabo Verde, ou seja, 2 em cada
10 mulheres sofreram algum tipo de violência por parte do companheiro nos
últimos 12 meses”, prosseguiu, indicando que a taxa “é muito maior” para
mulheres em situação de ruptura de uma relação.
Apesar
dessa contribuição, Lúcia dos Passos considera que persistem alguns desafios
para melhorar a implementação da lei VBG, apontando a morosidade no acesso à
justiça como uma delas, quando a lei estabelece prazos processuais claros em
todas as etapas.
Mesmo
com a morosidade verificada no processo, sublinhou que os processos por VBG são
mais céleres, notando ainda que com a alteração do Código Penal e a sua entrada
em vigor vai-se ter uma vantagem no julgamento dos processos de crime de VBG,
que vão passar a ser processos sumários.
Adiantou
ainda que uma das boas práticas identificadas no processo da lei VBG é a
colocação de procuradores específicos para casos VBG na Cidade da Praia, que
tem permitido especializar o atendimento e um melhor andamento dos processos.
“Medidas
destas precisam ser tomadas para o destacamento de um juiz e um procurador
específicos para os processos de VBG em São Vicente, criação de uma bolsa de
juízes auxiliares especializados em VBG para assessorar os tribunais das
comarcas onde há maior pendência de processos, e destacar oficiais de justiça
específicos para os processos de VBG na Cidade da Praia e em São Vicente”,
ressaltou.
Quanto
às lacunas existentes entre os dispositivos legais, às práticas profissionais e
as rotinas institucionais de aplicação da legislação, Lúcia dos Passos defende
que a lei VBG integra disposições de prevenção, de assistência e proteção às
vítimas, de punição dos autores de violência e de reabilitação, implicando
intervenção de sectores como a educação, saúde, proteção social, para além da
justiça, polícia e outros na sua implementação.
“Nestes
processos há sempre possibilidade de melhoria. A avaliação da implementação da
Lei em 2017 fez o ponto de situação e identificou várias áreas que devem ser
melhoradas”, vincou.
Neste
caso, sublinhou que o processo de conscientização da sociedade é “muito
importante” nesta matéria, seja no caso de homens ou mulheres, exemplificando
mudanças com dados do IDSR III (2018) que indicam “mudanças substanciais” nas
atitudes perante a VBG, uma mudança “quase generalizada”, nas diferentes ilhas,
no meio rural e urbano.
O
conhecimento da lei VBG, segundo a presidente RMPCV, foi avaliado em 2017,
tendo dados revelado que 26% das pessoas inquiridas confirmam realização de
sessões de sensibilização e divulgação da lei nas suas comunidades, sendo que o
esforço foi mais detalhado na ilha do Fogo.
Reiterou
ainda que a lei VBG trouxe uma revolução na forma como a violência baseada no
género passou a ser encarada como crime público e um problema público, com
consequências para a sociedade e saúde pública, e não uma questão privada a ser
gerida pelas famílias.
“O
maior desafio, ainda persistente, tem a ver com a violência nas relações
conjugais. Aí sim ainda sentimos as marcas da cultura machista, em que o
comportamento na família e nas relações homem/mulher continua assente numa
desigualdade de poder”, disse, referindo-se à existência de estatísticas
preocupantes em violência, criminalidade e abuso de substâncias psicotrópicas,
em que os homens são “a larga maioria”.
Adiantou,
por outro lado, que a “masculinidade tradicional machista” coloca os jovens e
os homens em risco em várias áreas, pelo que admite a necessidade de acções
mais focada na desconstrução do machismo nas relações conjugais e maior
trabalho nas questões de masculinidade “de forma holística”.
Aquela
responsável da RMPCV realçou ainda que a proporção de mulheres que sofreu
violência física nos últimos 12 meses diminuiu substancialmente, sendo de dois
em cada dez mulheres em 2005 (20,3%) para cerca de um em cada dez (10,9%), uma
diminuição de 9,4 pontos percentuais (pp).
Questionada
sobre uma revisão na lei VBG para que houvesse melhorias na sua aplicação,
Lúcia dos Passos sublinhou que a questão deve ser mais na ordem da cabal
implementação da lei, nos instrumentos e rotinas institucionais, no sistema de
seguimento do patrocínio judiciário prestado, assim como a garantia do acesso a
aconselhamento para casais em situação de ruptura de relacionamento quando há
evidências ou risco de VBG.
Quanto
ao aumento ou não da VBG na situação da pandemia provocada pela doença
covid-19, asseverou que informações apontam para aumento de casos durante o
período de quarentena (Março a Maio) a nível do País (comparado a igual período
de 2019), mas que se aguarda pela apresentação dos dados oficiais.
FONTE:
INFORPRESS