PAICV quer renegociar privatização da TACV com retoma dos voos domésticos em Cabo Verde
Em entrevista a propósito das eleições legislativas de 18 de abril, em que assume o objetivo de o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição desde 2016) voltar ao poder, Janira Hopffer Almada sustenta que os transportes “são estratégicos” e um “fator de coesão territorial e garantia de mobilidade de pessoas e de cargas”, criticando as opções do Governo (MpD) durante esta legislatura.
Desde logo contesta a privatização da companhia aérea de bandeira Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV), com a venda de 51% a investidores islandeses em março de 2019, já depois de deixar de operar voos domésticos e passando a centrar-se apenas nas ligações internacionais, na gestão privada.
“Pretendemos renegociar o acordo de privatização dos TACV, até porque entendemos que não é um acordo que proteja os interesses nacionais e que dê garantias. Ou seja, que cumpre o objetivo final dos transportes, que é fazer a ligação e garantir a coesão territorial”, afirma.
“Nesse sentido, renegociar o acordo é a primeira prioridade, mas também claramente que pretendemos renovar, reestruturar e recapitalizar a companhia de bandeira”, acrescenta.
Num contexto em que há vários anos Cabo Verde conta apenas com um operador aéreo dos voos domésticos (liderada pela companhia Binter, das Canárias, Espanha), Janira Hopffer Almada diz que essa renegociação da privatização da TACV – que passou a designar-se comercialmente Cabo Verde Airlines e que há um ano está totalmente parada devido à pandemia de covid-19 – implicará a retoma das ligações aéreas internas.
O objetivo é “recuperar as operações domésticas” na TACV, sublinha, com um “ponto essencial” que é estabelecer uma “garantia de serviço público obrigatório” nessas ligações.
“Nós não podemos ter ilhas com um voo semanal em Cabo Verde. Se nós não temos serviços de saúde com respostas suficientes para essas ilhas. Portanto, é uma questão de soberania, de dignidade, mas também de garantir os direitos básicos previstos na Constituição”, afirma.
“Sempre defendi e continuo a defender, agora com muito mais convicção, que a definição da política de transportes deve ser competência do Governo da República, sobretudo considerando a nossa natureza arquipelágica, feita de ilhas, e com uma imensa e valiosa diáspora”, acrescenta.
O tema dos transportes aéreos e o modelo de privatização seguido pelo atual Governo, liderado pelo Movimento para a Democracia (MpD), tem sido tema da pré-campanha eleitoral, mas Janira Hopffer Almada assegura que as mudanças que preconiza na companhia aérea, através da retoma do controlo pelo Estado, têm de ser acompanhadas por um “reforço” dos poderes da regulação do setor.
“Somos a favor da concorrência. O monopólio não beneficia nem o país nem os utentes”, assume, acrescentando que o Estado “não pode abrir mão da sua competência de definir a política de transportes”.
Medidas que visam diretamente investimentos externos em Cabo Verde, mas com a líder do PAICV a refutar as acusações recorrentes da maioria MpD, que aponta ao partido preconceito para com os investidores estrangeiros que apostam no país.
“É uma ideia que querem criar”, responde, recordando que o PAICV “é que liderou todos os processos de adesão de Cabo Verde às principais organizações ou acordos a nível internacional”.
“O PAICV demonstrou, ao longo do seu percurso, na oposição ou na governação, que valoriza as relações de cooperação, que valoriza as relações bilaterais e multilaterais e tem demonstrado essa valorização na prática, com resultados concretos”, assume.
Defende que o investimento direto estrangeiro “é importante e fundamental” para Cabo Verde, mas que também “devem ser preservados os interesses nacionais, a transparência nos negócios e sobretudo nas privatizações”.
Com a bipolarização crescente entre PAICV e MpD antes das eleições legislativas, cenário que se repete em sucessivas eleições no arquipélago há 30 anos (cada um dos partidos venceu três eleições legislativas), Janira Hopffer Almada assegura que a diferença entre ambos é grande, começando pela “perspetiva inclusiva”.
“O PAICV sempre defendeu que o crescimento económico tem de poder ser inclusivo, ter impacto na melhoria da vida das pessoas. Portanto, a nível das políticas sociais, penso que há claramente uma diferença, e aqui é preciso dizer-se que o PAICV assume, sim, essa sua perspetiva progressista, mas defendendo claramente um crescimento inclusivo”, destaca.
A agenda económica é outro assunto que “separa claramente” os dois partidos, segundo a líder do PAICV.
“Nós entendemos que o atual Governo teve uma política económica errada. Errada porque não qualificou o turismo, errada porque não apostou na agricultura, errada porque não acreditou e não investiu nas pescas. E não é possível que uma política económica em Cabo Verde dê resultados não havendo turismo, não se investindo na agricultura e não apostando nas pescas”, conclui. A Semana com Lusa