Rússia: Ministro acusado de corrupção com 2 milhões diz que é perseguido por Putin
Alexei Uliukaev acusado de extorquir dois milhões de dólares numa transação que envolveu a petrolífera estatal Rosneft protagoniza o primeiro caso dum ministro julgado por corrupção na Federação Russa. O recém-demitido ministro do Desenvolvimento Económico diz-se inocente e acusa Putin de estar por trás desta "repugnante conspiração".
A Federação Russa, o nome oficial do país desde 1991, assiste ao primeiro julgamento de um ministro por corrupção desde o desmembramento da união das repúblicas socialistas soviéticas. O titular da pasta do Desenvolvimento Económico foi destituído e detido em novembro por “corrupção envolvendo uma elevada quantia”.
Alexei Uliukaev teria, alegamente, exigido dois milhões de dólares como contrapartida para autorizar a petrolífera estatal Rosneft (a primeira do país e uma das mais importantes do mundo) a adquirir 50% da petrolífera privada Bashneft em 2016.
Apresentado em tribunal esta quarta-feira 15 (foto), o ex-ministro Alexei Uliukaev defendeu-se acusando Igor Sechin, o diretor-executivo da Rosneft e homem de confiança do presidente Vladimir Putin, de ter montado uma “repugnante conspiração” ajudado pelo Serviço Federal de Segurança (FSB, na sigla em russo).
O ex-titular da pasta do Desenvolvimento Económico, e vice-presidente do Banco Central de 2004 a 2013, refutou em tribunal as acusações. Na primeira sessão de julgamento, relatou que se tinha oposto à aquisição por considerá-la “inapropriada”.
Como relatou Uliukaev, foi após esse parecer negativo à aquisição que recebeu, “na noite de 14 para 15 de novembro de 2016”, uma chamada de Igor Sechin a convidá-lo para as instalações da Rosneft onde ia mostrar-lhe como eram as atividades da empresa.
À saída dessa conversa sobre as atividades da Rosneft e antes de entrar no carro, o ministro foi detido. Em sua posse estaria uma mala cheia de dinheiro. A detenção esteve a cargo de um ex-funcionário da FSB e atual chefe dos serviços de segurança da petrolífera estatal.
Putin de imediato destituiu Uliukaev “por perda de confiança”. O ex-ministro está desde então em prisão domiciliária.
Lutas entre “famílias”
Os analistas russos indicam que o processo contra Uliukaev tem na base as lutas internas que opõem entre si os chamados siloviki, que formam as distintas “famílias” a orbitar em torno de Vladimir Putin. Os siloviki (em tradução livre, durões) são antigos agentes KGB, e como tal antigos colegas do presidente Putin. Estão colocados em instituições que vão desde as forças armadas às estruturas económicas e mantêm com Putin a grande proximidade entretecida nas relações e vivências juvenis.
A correspondente do El País em Moscovo escreve que embora Putin, perante as frequentes disputas entre estes seus amigos próximos, assuma o papel de árbitro, Sechin é tido como uma personagem de máxima influência.
Tanto é assim que Sechin tem vencido todas as disputas com figuras influentes do poder, incluindo, diz a referida jornalista, os membros “liberais” da ala tecnocrata do Governo. Entre estes derrubados por Sechin, está, até ver, o Doutor en Economia Uliukaev, que enquanto vice-presidente do Banco Central de 2004 a 2013, foi destacado membro da equipa de Yegor Gaidar, o mentor das reformas económicas dos anos noventa sob Boris Ieltsine.
Sechin: “das colónias portuguesas de África” a diretor do petróleo e braço direito de Putin
Sechin, um linguista licenciado em português pela universidade de Leninegrado, em 1984, trabalhou a partir daí em Moçambique, Angola e alegadamente Guiné-Bissau (e ou Cabo Verde). Quadro do município de Leninegrado, passou, após a formação da Federação Russa, a diretor de gabinete de Putin, então Diretor das Relações Internacionais. Em 1996, quando Putin mudou para a capital, Sechin seguiu-o e tem-no acomapanhado desde então, assumindo diversos cargos de responsabilidade.
A defesa de uma tese de doutoramento sobre as redes de transporte de hidrocarburos, em 1998, abriu a Sechin novas vias e foi assim que em 2004 integra a comissão diretiva da petrolífera estatal Rosneft. Em 2014 ascendeu a diretor-executivo.
Para o magnata Mikail Jodorkovski, dono da Yukos, a maior petrolífera russa, hoje no exílio após estar preso dez anos, de 2003 a 2013, é Sechin o conspirador que levou ao desmembramento da sua empresa. A Yukos veio depois a ser absorvida pela Rosneft.
Ligações com a Venezuela e… Estados Unidos. Em 2012 Rosneft e a “Corporación Venezolana del Petróleo” formam um consórcio produtor de crude, na baía de Orinoco. Com o atual secretário de Estado norte-americano Rex Tillerson, e ex-diretor da Exxon Mobile, Sechin mantém boas relações, iniciadas com o consórcio Rosneft-Exxon para a exploração do Árctico.
Réu entra na 1ª sessão com “O Assassinato” de Tchekov na mão
A primeira sessão do julgamento de Uliukaev, que será retomado em 1 de setembro, limitou-se, nesta quarta-feira 16, a uma audiência de duas horas. O réu, que chegou acompanhado de quatro advogados, trazia na mão um livro eletrónico. Quando os repórteres lhe perguntaram que livro era, ele esclareceu que estava a ler um conto de Anton Tchekov intitulado “O Assassinato”.
Note-se que a obra é tida como um clássico sobre a capacidade de renascimento, após o arrependimento. Daí que não será despicienda a pergunta: Que mensagem subliminar é que o réu quer transmitir? A mensagem de que o agressor é movido pela falta de abertura de espírito, quiçá da ganância falsamente sustentada no “establishment”, contra o ensino do cristianismo?
El País, AP (foto)