Transportes Aéreos de Cabo Verde voltou hoje a ser liderada pelo Estado cabo-verdiano
Segundo a Lusa, a reversão de privatização da Cabo Verde Airlines (CVA - nome comercial adotado desde 2019 para a TACV) tem efeitos a partir de hoje, com a publicação do decreto-lei que a autoriza, aprovada pelo Conselho de Ministros, face às “sérias preocupações” com o “cumprimento dos princípios, termos, pressupostos e fins” definidos no processo de privatização, e cuja intenção já tinha sido anunciada anteriormente pelo primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva.
Entre as preocupações do Governo constam o “cumprimento com os procedimentos acordados de pagamento de despesas, registo contabilístico e contratação”, a “salvaguarda dos interesses da empresa e objetivos da parceria em consequência de envolvimento em atos e contratos que revelam substâncias e sérios conflitos de interesse”, a “contribuição para o reforço da capacidade económico-financeira e da estrutura de capital” da companhia ou sobre a “concretização integral da venda direta em prazo, condições de pagamento e demais termos”.
Conforme a mesma fonte, em março de 2019, o Estado de Cabo Verde vendeu 51% da então empresa pública TACV por 1,3 milhões de euros à Lofleidir Cabo Verde, empresa detida em 70% pela Loftleidir Icelandic EHF (grupo Icelandair, que ficou com 36% da CVA) e em 30% por empresários islandeses com experiência no setor da aviação (que assumiram os restantes 15% da quota de 51% privatizada).
A CVA, em que o Estado cabo-verdiano mantinha uma posição de 39% (restantes 10% vendidos a emigrantes cabo-verdianos e trabalhadores da companhia), concentrou então a atividade nos voos internacionais a partir do ‘hub’ do Sal, deixando os voos domésticos.
“Os órgãos sociais são imediatamente dissolvidos, não podendo os membros cessantes praticar quaisquer atos ou celebrar contratos suscetíveis de alterar a situação patrimonial dos TACV, sob pena de nulidade dos atos e contratos em causa e responsabilidade pessoal dos danos deles decorrentes”, e sem direito a pagamento de indemnizações, refere o decreto-lei, publicado hoje para entrar “imediatamente em vigor”, definindo que a quota de 51% de ações da companhia é revertida a “favor do Estado”, mas sem concretizar sobre o pagamento de uma eventual indemnização aos acionistas islandeses.
Revela a Lusa que, até à nomeação dos novos titulares dos órgãos sociais, o mesmo decreto-lei estabelece que a companhia será representada e administrada por um gestor designado por despacho conjunto dos ministros das Finanças e do Turismo e dos Transportes.
Devido aos efeitos da pandemia de covid-19 – desde março de 2020 que a companhia não realiza voos comerciais -, foi assinado um novo acordo entre o Estado e a Loftleidir em março de 2021, para viabilizar a empresa (envolvendo desde novembro a emissão de avales do Estado a cerca de 20 milhões de euros de empréstimos para pagamentos de salários e outras despesas urgentes), o qual previa também a cedência de ambas a partes em diferentes matérias.
“O Governo de Cabo Verde e a Loftleidir Cabo Verde entraram em negociações com vista ao apoio e à reestruturação das obrigações dos TACV, a fim de reiniciar as operações. Várias soluções foram acordadas, culminando num acordo de resolução entre o Governo, os TACV e a Loftleidir Cabo Verde, datado de março de 2021. Nesse acordo, o Estado e a Loftleidir Cabo Verde deveriam providenciar financiamento aos TACV, tendo o Governo cumprido com a sua parte”, lê-se no mesmo decreto-lei.
“No entanto, e posteriormente ao acordo de resolução, foram identificados factos na governança dos TACV e no relacionamento da Loftleidir Cabo Verde e partes interessadas com os TACV que podem contribuir para a insustentabilidade da continuidade do acordo, pois que existe um risco sério, real e significativo de a Loftleidir Cabo Verde não cumprir com a sua proposta de investimento de capital nos TACV”, acrescenta.
O texto citado pela Lusa refere ainda que “têm-se verificado várias e sérias questões relativas ao financiamento, operações e governança dos TACV, que ameaçam a sua sustentabilidade, põe em causa de forma grave o interesse público e impõe um acentuado agravamento do risco ao Estado”.
Essa situação, admite o Governo, faz “crescer em larga escala as suas responsabilidades como acionistas, como garante de pagamentos de avultadas dívidas e como autoridade que deve assegurar uma política de transportes aéreos internacionais que corresponda às necessidades do desenvolvimento económico de Cabo Verde e dos cabo-verdianos”.
A administração da CVA anunciou em 27 de junho que vai suspender vendas e voos até 12 de julho, face à então intenção anunciada de renacionalização da companhia pelo Governo e pedido de arresto de um Boeing da companhia - fornecido em regime de ‘leasing’ pela Loftleidir Icelandic EHF - por parte do Estado, face a alegadas dívidas.
“É com surpresa e apreensão que a administração da CVA assiste, paralelamente, às ações do Estado de Cabo Verde, como acionista minoritário, ameaçando nacionalizar, à tentativa de apreensão de bens de terceiros que não têm dívidas com a companhia aérea ou do Estado”, lê-se num comunicado assinado no final de junho pelo diretor executivo da companhia, Erlendur Svavarsson.
“Devo manifestar a minha deceção com a decisão do Governo de tentar prender a aeronave na ilha do Sal, o que impede a empresa de retomar as operações conforme planeado. Após 15 meses de preparação [período de suspensão de voos da CVA devido à pandemia de covid-19], investimento numa nova plataforma de reservas, formação de pessoal e divulgação de horários e destinos, a empresa está pronta para voar. Mas somos impedidos de fazê-lo, totalmente com base na intervenção do Governo”, criticou o administrador citado pela Lusa.