Com ano agrícola quase perdido, agricultores cabo-verdianos ainda esperam milagre

Os agricultores cabo-verdianos esperam que alguma chuva que venha a cair ainda possa salvar algumas culturas, mas a esperança num milagre é cada vez menor, num dos piores anos de seca no país.


Os agricultores cabo-verdianos esperam que alguma chuva que venha a cair ainda possa salvar algumas culturas, mas a esperança num milagre é cada vez menor, num dos piores anos de seca no país.

Alexandre Tavares e Adilson Tavares, pai e filho, fixam um olho no céu e outro no milheiral, pequeno e murcho, à beira de uma estrada no concelho de Santa Cruz, ilha de Santiago.

À primeira abordagem, suspiram e encolhem os ombros, num sinal de desânimo e impotência na hora de fazer uma avaliação do ano agrícola.

"É o ano mais péssimo que já vi, até porque está à vista de todos", descreveu à agência Lusa Alexandre Tavares, mais conhecido por Xando, 54 anos.

Morador desde sempre na localidade de Sala, em Porto Madeira Baixo, na estrada que dá acesso ao concelho de Santa Cruz, Alexandre Tavares disse que criou sete filhos graças à agricultura e criação de gado.

"Sempre vivi da agricultura. É a nossa vida", mostrou, indicando que, tal como em anos anteriores, plantou um pouco de tudo, desde milho e feijões, mas a chuva que caiu inicialmente não foi suficiente para um bom ano agrícola.

E como a chuva tardou em cair, Alexandre Tavares já está a fazer as contas aos prejuízos do "bocado de dinheiro" que gastou com trabalhadores e logística.

Por isso, pede ao Governo que adote medidas de emergência para minimizar a situação, caso contrário, disse que vai haver "uma calamidade".

"Espero que o Governo adote políticas de incentivo aos agricultores, para podermos ter outros meios e formas de pensamento, para uma agricultura mais moderna", pediu o agricultor, que parece já ter uma explicação pela seca que assola o país este ano.

"Fala-se muito nas mudanças climáticas e é algo que nos preocupa, que eu nunca tinha visto. Setembro é o mês que mais chove, mas acho que algumas coisas mudaram no clima porque setembro nunca tinha sido assim", lamentou.

Depois deste ano de seca e de mau ano agrícola, o agricultor disse que no próximo ano já vai "pensar cuidadosamente", e duas vezes, antes de investir no setor.

"Muitos faziam sementeira de sequeiro e esperavam pela chuva, mas agora estão com medo, não sabem o que fazer e muitos vão esperar que chova primeiro para depois cultivar", disse.

O mau ano agrícola toca o pai e também o filho, Adilson Tavares, mais conhecido por Dani, 29 anos, com formação profissional em eletricidade, telecomunicações e pintura, mas que tem na agricultura um dos meios de subsistência.

O jovem disse que tem alguns terrenos de sequeiro que cultiva todos os anos e também apanha uns biscates com pessoas que têm grandes propriedades agrícolas.

Mas, comparando com outros anos, Dani solta um sorriso irónico e disse que os trabalhadores da localidade ganharam pouco dinheiro na agricultura porque choveu muito pouco este ano.

"Por esta altura, costumávamos ter homens nas ladeiras a fazer serviço, ma este ano estamos sem nenhuma luz. Todos à espera de um milagre para ver se recuperamos alguma coisa, mas já é tarde", lamentou.

A partir de agora, Dani assegurou que muitos agricultores já olham o trabalho no campo com alguma desconfiança e já não apostam muito, tal como fizeram no início do ano agrícola.

Numa visita ao interior da ilha de Santiago, o ministro da Agricultura e Ambiente, Gilberto Silva, disse que Cabo Verde regista "um dos piores anos" de seca e anunciou um plano de emergência de 7 milhões de euros para ajudar a população rural de todo o país.

O ministro disse que as grandes medidas irão abranger o salvamento do gado, melhoria na gestão da água e criação de empregos para as cerca de 17.200 famílias afetadas diretamente pelo mau ano agrícola, cerca de 62% das famílias rurais do país.

O representante do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) em Cabo Verde, Rémi Nono, disse também que a situação é "preocupante" e garantiu que a organização vai apoiar o país, tendo ainda de discutir os valores com o delegado regional em Acra.

"Neste momento, a decisão é do representante regional da FAO, mas penso que vai fazer porque estamos em situação de crise. Posso dizer que a FAO vai ajudar, mas não posso dizer exatamente qual será o montante da contribuição", prometeu. Fonte: Lusa


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