Preservação das tartarugas em Santiago é “crítica” e é preciso mais fiscalização – ONG

“O número real das capturas não sabemos, só contabilizados as carapaças. Hoje em dia, muitos apanhadores enterram as carapaças, usam outras técnicas, mas a situação na ilha de Santiago ainda é critica, em termos de apanha”, alertou Ana Veiga, diretora-executiva da Lantuna, em entrevista à Lusa na praia da Ribeira da Prata, município do Tarrafal.

Trata-se de uma das mais importantes praias para desova das tartarugas marinhas naquela ilha e onde a organização ambientalista instalou este ano um viveiro, com vigilantes, técnicos e voluntários, para garantir a segurança do processo.

É também uma das quatro praias do município do Tarrafal, norte de Santiago, onde a Lantuna monitoriza os ninhos de tartaruga durante o período de desova, que vai, sobretudo, de julho a outubro.

Cabo Verde introduziu legislação para proteger as tartarugas marinhas pela primeira vez em 1987, proibindo a sua captura em épocas de desova, mas desde 2018 está em vigor uma nova lei, que tipifica outros tipos de crime, nomeadamente o abate intencional, bem como a aquisição, a comercialização, o transporte ou desembarque, a exportação e o consumo.

A ambientalista reconhece a importância deste “reforço da legislação” de proteção, mas sublinha que o atual problema é a fiscalização: “Nas praias que são monitorizadas, sempre que há uma infração as ONG denunciam. As pessoas também estão mais conscientes e fazem essas denúncias. Nas outras praias, a apanha ainda acontece”, garante.

Além disso, observa que “à medida que a fiscalização e a legislação aumentam”, os “apanhadores também melhoram as técnicas”.

“Porque se antes a grande maioria apanhava nas praias, atualmente apanham no mar”, reconhece.

Apesar de se tratar de uma prática ilegal, a ambientalista aponta informações sobre a venda de tartarugas inteiras, normalmente para consumo humano, de 15.000 a 25.000 escudos (135 a 225 euros), geralmente para o consumo da carne.

“Noutra comunidade em que trabalhamos, em Porto Mosquito, durante o mês de julho tivemos 52 capturas de tartarugas marinhas, que foram apanhadas no mar e mortas naquelas praias mais isoladas”, relata, admitindo o choque que é encontrar “dezenas de carapaças, vestígios de ovos, facas e sangue” nas praias.

“Ainda é um problema”, admite, insistindo que é preciso sensibilizar também os pescadores, embora para muitos esta seja uma prática cultural e de subsistência.

Mas o trabalho, sublinha a líder da Lantuna, passa igualmente por sensibilizar e envolver as comunidades locais.

“Santiago é a ilha que tem a maior taxa de consumo de carne de tartaruga marinha no arquipélago. Acreditamos que as nossas ações contribuem para melhorar esse cenário”, diz.

Com vários projetos ambientais em curso na ilha de Santiago, noutras áreas, a Lantuna iniciou em 2020 ações de conservação e proteção dos ninhos de tartaruga e começou precisamente pela praia da Ribeira da Prata.

Naquela praia, em poucas semanas de monitorização, foram surpreendidos com um nível de predação dos ninhos que chegou a 90% dos mais de 400 ninhos de tartarugas, “basicamente por cães vadios” ou por caranguejos, como “predação natural”.

“Foi um número assustador. Não conhecíamos bem a praia, o que é que se passava”, recorda. Rapidamente, ainda em 2020, assumiram: “Tínhamos de fazer alguma coisa”.

É que embora a preservação da tartaruga marinha seja assumida praticamente como um desígnio nacional pelas autoridades cabo-verdianas, as operações concentram-se essencialmente nas ilhas do Maio, Boa Vista ou Sal, que representam mais de 95% das desovas no país.

Este ano, “para mitigar esse impacto” em Santiago, a Lantuna construiu um viveiro na praia de areia negra da Ribeira da Prata. “Em que os ninhos que estão em zonas de risco, ou seja, podem ser facilmente predados por cães ou também inundados por água do mar, são realocados para este viveiro. São monitorizados entre 45 a 60 dias, até ao momento da eclosão, em que as tartaruguinhas são encaminhadas para o mar”, explica.

“O viveiro foi construído em julho e estamos a aproximar-nos da época da eclosão. Estamos ansiosos”, admite Ana Veiga.

O trabalho dos voluntários e técnicos da Lantuna, além de preservar milhares de ovos de tartarugas já este ano, serve também para “conhecer melhor” a realidade desta espécie protegida em Santiago, já que as atenções estão por norma viradas para as outras ilhas.

“Estamos a tentar melhorar a situação da nossa ilha”, assume a responsável.
Cabo Verde tornou-se em 2020 no segundo mais importante ponto de desova de tartarugas marinhas, com o número de ninhos num recorde de quase 200.000, segundo números divulgados em março passado pelo ministro do Ambiente, Gilberto Silva.

De acordo com o responsável, Cabo Verde viu o total de 10.725 ninhos de tartarugas detetados no arquipélago em 2015 aumentar para 198.787 ninhos em 2020, “quase 19 vezes mais”.

“Cabo Verde passou a ser o segundo ponto mais importante da desova de tartarugas marinhas no mundo”, afirmou o governante.

“Com a educação ambiental, vigia de mais de 180 quilómetros de praias e aplicação da nova legislação que criminaliza a caça e o consumo das tartarugas, a taxa de captura diminuiu significativamente, de 8,25% em 2015 para 1,54% em 2020”, acrescentou.

De acordo com dados da Direção Nacional do Ambiente, o melhor ano de nidificação das tartarugas marinhas em Cabo Verde tinha sido 2018, com um total de 109.126 ninhos registados, muito mais do que os 44.035 de 2017, os 30.470 do ano de 2016 e dos 10.725 no ano anterior. A Semana com Lusa

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