Engenheiro cabo-verdiano torna-se artista com "antídotos" para a guerra

"Infelizmente, o que não falta são notícias capazes de me deixar em baixo. Então, eu costumo dizer: se uma pessoa visitar o meu perfil [nas redes sociais], se olhar para os meus trabalhos, pode desligar-se de tudo o que é negativo”, descreve à Lusa, durante uma pausa na pintura do seu mais recente mural.

A arte urbana trouxe-lhe celebridade, como no trabalho que tem agora entre mãos: um retrato do mar, da faina e da vida marinha que Helder concebeu com outros artistas para a semana das artes de Pedra Badejo, localidade costeira onde nasceu, sede do município de Santa Cruz, ilha de Santiago.

É um exemplo da vivacidade que considera necessário transmitir, especialmente numa época em que há vários conflitos e o mundo está mais polarizado.

Helder Cardoso ganhou fama com os seus murais e é um dos artistas plásticos de maior destaque no país, com obras em espaços públicos, instituições do Governo e hotéis.

Depois de arrumar os pincéis, após pintar o mural em Pedra Badejo, regressa à Praia e faz uma paragem em frente àquele que é, provavelmente, o mais conhecido dos seus trabalhos: a pintura que celebra a participação da seleção cabo-verdiana no último mundial de basquetebol 2023, no Japão.

É um mural que já faz parte da paisagem urbana, junto à rotunda do Homem de Pedra, na baixa da cidade, numa das ruas mais movimentadas da Praia.

Seja no espaço público ou em tela, a figura humana é uma constante nos seus trabalhos.

"Quando encomendam as minhas obras, algumas pessoas pedem as crianças sorridentes” que surgem em vários quadros do autor, que as classifica como “a figura mais pura” que pode ser retratada.

Foi ainda durante o ensino secundário que fez a primeira mostra de desenhos e recebeu elogios, que sempre o motivaram.

Passou a recolher ‘t-shirts’ dos colegas para desenhar e assim foi cimentando o percurso, chegando à universidade.

A arquitetura chegou a ser uma hipótese, mas acabou por eleger a engenharia civil, porque "estava na moda" e levava menos tempo a terminar o curso superior.

Pais e familiares “investiram quatro anos” e já o chamavam de “engenheiro da família”, mas, após concluir a universidade, em 2012, Helder dedicou-se a obter conhecimentos de materiais, técnicas e colocou tudo em prática em novos trabalhos artísticos.

As encomendas e a receção positiva, com notoriedade em alta nas redes sociais, levaram à inevitável escolha: a partir de 2014 dedicou-se inteiramente às artes.

"Não dava para dividir, bloqueei a engenharia, não fiz mais nada. Pensei que, com as redes sociais, o público podia ver mais rapidamente o meu trabalho. Então foquei-me em fotografia, vídeo e a cada ano senti a evolução, tanto tecnicamente, como a nível de clientela", realçou.

Em plena pandemia (2020), Helder foi para uma exposição em Portugal, mas ficou de quarentena e mesmo assim vendeu as suas obras através de uma galeria virtual que criou com amigos, numa altura em que "todo o mundo ‘emigrou’ para as redes sociais".

“Comecei a fazer desenhos digitais, sem usar lápis e tintas", conta à Lusa, referindo que o único desafio na altura foi ter de se afastar das pessoas e não poder aproveitar a inspiração que tais contactos representam.

Apesar de desde a infância ter despertado o gosto pela pintura, Helder disse que "nunca imaginava que seria um artista plástico" e diz que hoje "vive uma vida com que nunca tinha sonhado" e com a qual espera inspirar outros artistas – para que não tenham de crescer, como ele, sem referências. A Semana com Lusa

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