Jorge Tolentino traz com fundamento jurídico novos elementos sobre o Estatuto da Primeira Dama
Antes de mais, importa recuar no tempo. O sentido de perspectiva ajuda a perceber que o país de hoje não é já o de há 4 ou 5 décadas e as questões de hoje são outras, mais complexas. Quando ocorreram as eleições de 1991, a Presidência da República era regulada pelo diploma orgânico aprovado pelo Decreto-Lei nº 20/ 85, de 2 de Março. Tratava-se de uma realidade institucional marcada pela simplicidade, ou melhor, frugalidade. Por exemplo, não havia autonomia. Mesmo os Conselheiros do Presidente da República eram nomeados por Decreto do Governo... Com o advento da Democracia e a Constituição de 1992, naturalmente que a Presidência da República teria de dispor de uma orgânica consonante com a nova realidade política e institucional. Previdente, o Presidente da República Aristides Pereira teve por bem pôr em marcha o processo de elaboração de um ante-projecto, o qual entregou em mãos ao Presidente da República Mascarenhas Monteiro, quando ocorreu a sessão a sós de passação entre o Chefe de Estado que cessava funções e o Chefe de Estado que as assumia. É esse mesmo processo que o Presidente Mascarenhas Monteiro me entrega, quando arranco nas lides de Conselheiro, com a indicação de o afinar e ultimar com celeridade. Celeridade era, na verdade, essencial. A Constituição da República é de Setembro de 1992 e o novo diploma orgânico da Presidência da República também o é: Decreto-Lei nº 108-A/92, de 24 de Setembro. Com este diploma, a Presidência da República passa a dispor de autonomia administrativa e financeira e passa a contar com realidades novas como são os casos da Casa Civil, do Conselho Administrativo, do Serviço de Apoio Militar (rejeitada que foi a ideia de uma Casa Militar...), do Corpo de Conselheiro e Assessores, da Chancelaria das Ordens e Títulos Honoríficos. Na época, esse diploma foi um ganho enorme. Nesses idos de 90, já se sentia a necessidade de amparo institucional para o Cônjuge do Chefe de Estado e era referida, em particular, a necessidade de assessoria específica. Mas não se foi além disso. Não foi algo sentido como uma premência que devesse o diploma orgânico acautelar.
Merece, pois, ser tratado neste ponto autónomo o passo de gigante que foi a criação do ‘Gabinete de Apoio ao Cônjuge do Presidente da República’. Isso ocorre por força da nova Lei Orgânica da Presidência da República, aprovada pela nº 13/ VII/ 2007, de 2 de Julho. É a lei vigente! Importa transcrever o seu artigo 11º:
“1. No âmbito da Casa Civil funciona um Gabinete especialmente encarregado de prestar apoio directo e pessoal ao cônjuge do Presidente da República no exercício das actividades oficiais que normalmente desenvolve.
2.As funções a que se refere o número anterior são desempenhadas por funcionários da Casa Civil e da Direcção-Geral de Administração afectos a esse Gabinete por despacho do Chefe da Casa Civil.”
Esse dispositivo é, para o ordenamento cabo-verdiano, um importante ganho de clarificação. Primeiro, o Cônjuge do Chefe de Estado é uma realidade e não uma mera ficção ou desejo; segundo, o espaço natural desse Cônjuge é a Presidência da República. É onde dispõe (e não é de hoje que isso acontece!) da sua sala de trabalho (o chamado Gabinete da Primeira Dama) e desse já referido Gabinete de Apoio.